descia sobre o mar e pintava o céu de tons violáceos. E falavam de André e
dos seus progressos na escola; relembravam as loucuras de antigamente e
punham-se a imaginar-se naquela mesma praia quando fossem muito, muito
velhinhos. Falavam de tudo menos dos negócios de Nuno, dos perigos que ele
corria, do sonho que ela tinha de o ver com um emprego normal onde não
houvesse balas a assobiarem em volta da sua cabeça a toda a hora. Regina
bem tentava encaminhar a conversa para esse lado, mas Nuno nem queria
ouvir falar de largar o seu negócio.
— A loja este mês correu muito bem.
— Sim?
— Hum-hum...
— Quão bem?
— Bastante bem. O suficiente para pagar as contas todas e ainda guardar
algum.
— Excelente. Mas não tens de pagar as contas todas. É para isso que eu te
dou dinheiro.
— Eu sei. Só estava a dizer que...
— Às vezes, não tens saudades de casa?
— Nuno, a minha casa é aqui.
— Eu sei, mas... tu percebes o que eu quero dizer.
— Tenho saudades da minha irmã.
— E da mamã? — perguntou, em tom de brincadeira.
— Também, um bocadinho.
— E do juiz? — Nuno empertigou-se, pôs-se sisudo, a fazer uma imitação
imaginária do pai dela. Regina deu-lhe uma palmada no braço.
— Pára com isso.
— Não sabes a sorte que tens.
— Porquê?
— Por teres tido uma família atinada, uma infância normal.
— O meu pai dava-me cabo do juízo. Não imaginas.
— O meu pai dava-me cabo do juízo. Pior do que isso, o meu pai ignorava-
me. Era um bêbado. Queres trocar?