estava presente, Regina pensava que deveria andar pelos cinquenta e poucos.
Só que a sua natureza jubilosa havia-se evaporado e ela achou-o preocupado,
com uma expressão derrotada. Tinha os ombros caídos e a voz embargada por
uma melancolia que não lhe era nada peculiar. E vendo-o assim, tão em baixo,
Regina reconsiderou a idade e colocou-o na casa dos sessenta. Parecia ter
envelhecido dez anos de um dia para o outro.
— Estou a ver que tem uma caixa registadora nova, senhor António —
exclamou Regina, forçando uma alegria na voz, uma descontracção que ela
própria não sentia. Mas foi movida por um impulso, uma vontade súbita de o
animar, talvez por ver no merceeiro o reflexo do mesmo pessimismo que
também a perturbava e, não querendo render-se, optasse por reagir com uma
tentativa de boa disposição. Mas o merceeiro largou o naco de fiambre da
perna em cima do balcão, como se pesasse uma tonelada, e suspirou, cansado
da vida. Em seguida deitou um olhar desolado por cima do ombro à máquina
registadora e Regina teve a sensação de que ele se ia desmanchar em lágrimas
a qualquer momento.
— Pois, é menina — lamuriou-se. — Veja lá o meu azar.
— O seu azar? — estranhou-o. — O seu azar, porquê? Não é boa?
— É boa, é. É óptima.
— Então?...
— Ora, menina, se soubesse que ia haver uma revolução, tinha poupado o
dinheiro. — O merceeiro ganhou fôlego, ergueu o fiambre, encaixou-o na
máquina. Depois lambeu o dedo para descolar uma folha de papel — coisa
que normalmente deixava Regina à beira de um ataque de nervos, enojada,
mas, coitado, não era por mal e, se ela nunca tivera coragem para o chamar à
atenção, muito menos teria hoje — e começou a cortar fatias fininhas e a
colocá-las com uma espátula em cima da folha de papel.
— Essa agora — disse Regina, abstraindo-se das questões higiénicas. — O
que é que a revolução tem a ver com a caixa registadora? — O homem
encolheu os ombros.
— Só tem a ver porque qualquer dia vou ser obrigado a voltar para Portugal
e não vou conseguir levar a máquina. Mais valia não a ter comprado. —
Regina observou pensativa o filho a brincar com as mangas e as frutas-pinhas
dos caixotes.
— André — disse — não mexas nisso. — E depois de novo para o
merceeiro: — Está a pensar em ir-se embora, senhor António?