desconsiderações e manter o barco do amor a navegar.
Nuno era um poço de contradições, na medida em que, na sua indiferença,
parecia determinado a criar obstáculos a uma relação saudável e, na sua
teimosia quase obsessiva em preservar a independência que já não tinha,
empurrava-os para a beira do abismo sentimental. Tanto queria pôr-se a salvo
de uma desilusão, de um desgosto, que, ao defender-se dessa possibilidade, só
a tornava mais provável. Regina, com toda a sua tolerância, não deixava de
ter os seus momentos de fragilidade e, como a sua perseverança estóica não
era imune a desânimos, por vezes perdia a paciência e encostava Nuno à
parede. Lembrava-o das suas responsabilidades de pai para ele não se poder
esquivar com respostas fúteis. Regina conhecia-o bem, sabia que se sentia
culpado por não estar tão presente na vida do filho quanto o pequeno gostaria.
Sabia que, apesar de todos os bloqueios psicológicos, a última coisa que Nuno
desejava era que André sofresse com a ausência do pai. Por isso, Regina
chantageava-o, exigia-lhe mais empenhamento, pressionava-o para o obrigar
a descer à terra — literalmente.
— O André está sempre a perguntar por ti, quando tu não estás.
— E tu, o que dizes?
— O que é que eu hei-de dizer? Digo que estás a trabalhar, que voltas em
breve... sei lá, qualquer coisa que não o faça pensar que não queres saber
dele.
— E é verdade, eu quero saber dele.
— Eu sei, mas não devias deixá-lo tanto tempo sozinho.
— Eu não o deixo sozinho. Deixo-o contigo. E, quando isso acontece, estou
mesmo a trabalhar.
— Nuno, o André precisa de um pai presente. Não preciso de te dizer como
é difícil para ele compreender as tuas ausências.
— Eu sei...
— Então, podias fazer um esforço para não o fazer passar por isso.
— Tudo bem, eu deixo de voar, é isso que queres, que eu deixe de
trabalhar?
— Não, só quero que estejas em casa mais tempo.
— Já percebi, vou pensar nisso.