O Último Ano em Luanda

(Carla ScalaEjcveS) #1

pois foi como se se visse a si mesmo na idade dele. E foi uma revelação
chocante.


Até poderia ser só impressão sua, mas, quanto mais pensava nisso, mais
esta impressão se acentuava no espírito de Nuno. Debaixo de uma capa de
criança perfeitamente normal, André tinha as suas peculiaridades, as quais
sugeriam haver algo de errado com ele. Não era muito expansivo, não se
entrosava com facilidade com as crianças da sua idade e não era nada
simpático com os adultos que ensaiavam uma conversa com ele.


Nuno e Regina já haviam sido alertados pela professora de André, que lhes
chamara a atenção para a sua tendência de se isolar, mas na altura não tinham
dado muita importância ao aviso. Tinham atribuído a timidez do filho a um
estado de alma passageiro, relacionado com as dificuldades naturais do
período de adaptação ao colégio. Agora, porém, Nuno começou a prestar mais
atenção ao comportamento do filho e a cismar com a sua imutável indiferença
a tudo o que o rodeava, como se pretendesse oferecer uma resistência passiva
aos pais, à professora, aos colegas, à sociedade. E chegava sempre à mesma
conclusão: André sentia-se pouco apreciado.


Comentou o assunto com Regina uma semana depois do seu regresso.
Estavam sentados na praia, na ponta da Ilha de Luanda, num final de tarde
encalorado. Observavam André a brincar sozinho com um balde e uma pá de
plástico. O Sol já se punha, o céu matizava-se de tons vermelhos e o mar,
habituado a quebrar-se naquele lado exterior da ilha, revelava-se porém
tranquilo, com as ondas a desfazerem-se longe da praia num rumorejar
remoto, sugerindo um descanso de fim de dia. Nuno arregaçara as calças e
afundava os pés descalços na areia. Regina fazia o mesmo, mas limitara-se a
tirar os sapatos, pois usava um vestido de alças e esticava as pernas de um
modo despreocupado, apoiada com as mãos enterradas na areia, ao lado do
corpo. Usava o cabelo quase louro e comprido, que a fazia mais jovem, solto,
com risco ao meio.


— O André parece-me triste, inseguro — disse Nuno. — Já reparaste?
— Já.
— No outro dia, quando o fui buscar ao colégio?
— Sim...
— Fui descobri-lo sentado num banco, afastado de toda a gente. Perguntei-
lhe porque estava ali sozinho e ele respondeu-me que estava à tua espera.

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