Na madrugada de 28 para 29 de Abril, cerca de seis meses antes da data da
independência, Luanda foi sacudida por um tiroteio generalizado como nunca
havia acontecido. O mais estranho foi que não houve notícia de vítimas ou de
ataques específicos a sedes dos movimentos de libertação. Mais tarde veio-se
a apurar que a confusão criada se ficou a dever a uma manobra de diversão do
MPLA.
Nessa noite atracou no porto de Luanda um cargueiro jugoslavo e, enquanto
a cidade em pânico se agarrava ao telefone para saber o que se estava a
passar, o barco era descarregado sob a supervisão de elementos armados das
FAPLA^4 . A carga era constituída por cunhetes que foram transferidos para
veículos de transporte militar Berliet do exército, na presença de um alferes
das Forças Armadas Portuguesas. Esta conivência de elementos das FAP com
um dos movimentos, sendo uma flagrante violação do Acordo de Alvor, que
ditava a neutralidade da parte portuguesa, desencadeou uma violenta reacção
do primeiro-ministro da FNLA durante uma reunião da Comissão Nacional de
Defesa, que teve lugar no Palácio do Governo no dia 29 às dezasseis horas. A
reunião, onde pontificaram elementos dos três movimentos de libertação e o
Alto-Comissário português, prolongou-se por seis horas de gritos e insultos
dirigidos pelo representante da FNLA aos seus parceiros do MPLA na
comissão. Apesar de os três movimentos fazerem, com Portugal, parte do
mesmo governo de transição, estas reuniões eram habitualmente palco de
confrontos pouco civilizados entre os seus dirigentes, em particular os do
MPLA e da FNLA. Num infeliz prolongamento da guerra aberta que
travavam por todo o território angolano, os dois movimentos levavam para as
reuniões governativas o ódio que afundava o seu próprio povo numa tragédia
apocalíptica. A ferocidade era tal, que se chegaram a exibir armas em
reuniões em que o Alto-Comissário tinha como objectivo apelar ao lado
humano destes dirigentes rústicos e, definitivamente, indignos das suas
responsabilidades, de modo a exigir-lhes o silenciar das metralhadoras que
crepitavam lá fora.
No 1.o de Maio uma multidão desembestada partiu os vidros das janelas do
palácio à pedrada, derrubou o gradeamento fronteiro e só não entrou no
palácio porque ficou claro que os pára-quedistas que faziam a sua defesa se
preparavam para abater a tiro os invasores. O Alto-Comissário, depois de ter
ensaiado dirigir-se à multidão do alto de uma janela e de, no último momento,
ter sido retirado debaixo de um dilúvio de pedras, compreendeu que Angola
entrara num descalabro sem controlo. Nesse dia convenceu-se da necessidade
imperiosa de uma derradeira e desesperada tentativa para conter a violência