O Último Ano em Luanda

(Carla ScalaEjcveS) #1

— Vire ali à esquerda — disse ele, ignorando a questão, erguendo o
indicador gordinho. — É já ali.


Nuno fez-lhe a vontade. Entraram numa rua estreita, perpendicular à
Marginal. Não havia grande movimento, nem gente nos passeios, nem carros,
nem lojas. Só edifícios soturnos, sem janelas no piso inferior, a fazerem
lembrar armazéns. Alguns eram-no mesmo, com escritórios por cima.


—   Qual    deles   é   que é?
— Aquele — disse o senhor Dantas, apontando agora com o queixo.

Nuno encostou, desligou o motor, tirou o maço de tabaco do bolso da
camisa, acendeu um cigarro com um fósforo que atirou pela janela depois de
o apagar com um brusco torcer de pulso. Deu uma passa no cigarro e
acomodou-se melhor no seu lugar, com o cotovelo esquerdo apoiado na porta.
Tinha estacionado no lado da rua onde o sol batia, de modo a tornar mais
desconfortável a permanência no automóvel. Nem foi preciso dizer que não
iria a lado nenhum, conhecer tipo nenhum, enquanto não obtivesse todas as
respostas e esclarecesse as suas dúvidas. Fosse lá como fosse, ele era um tipo
seco, mais músculo que gordura, e suportava bem o calor. Já o senhor Dantas,
que pagava as favas de muitos almoços de negócios com um corpo
excessivamente avantajado, sofria com a sauna do Volkswagen e suava como
um porco infeliz, muito vermelho.


— Então — disse Nuno, voltando ao misterioso rascunho —, porque é que
você diz que não foi o MPLA?


— Porque — respondeu o senhor Dantas, submerso em águas, socorrendo-
se de um lenço branco para limpar o pescoço encharcado, a careca cintilante
— se o MPLA tivesse conhecimento das armas para a UNITA, não trataria do
assunto com pinças. Bem pelo contrário, haveria de fazer um banzé que se
ouvisse daqui até Lisboa. Tal como fez a FNLA, aliás, no caso do barco
jugoslavo.


—   Sendo   assim   —   insistiu    Nuno,   meio    perdido —   quem    foi?
— O meu palpite?
— Sim...
— Os tipos da CCPA^6.
— O MFA anda a ajudar o MPLA?
— Desde o princípio.
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