poder das duas superpotências.
— Portugal não tem hipótese nenhuma de qualquer maneira — disse,
assombrado com a sua própria conclusão.
— Receio bem que não — concordou o senhor Dantas, abanando a cabeça.
— Receio bem que não. — Fizeram silêncio, enquanto Nuno absorvia a crua
realidade de um conflito que já ultrapassara qualquer veleidade de controlo
por parte dos portugueses.
— Resumindo — acabou ele por dizer — os tipos do MFA enviaram ao
Alto-Comissário o tal papelinho com a descrição das armas que foram
entregues à UNITA para ele ficar a saber que, da próxima vez, o denunciavam
aos outros movimentos.
— Foi essa a ideia, sim.
— Então, o Presidente da República por um lado deu luz verde à operação e
pelo o outro boicotou-a.
— O Presidente da República ou alguém próximo dele, alguém do MFA —
corrigiu o senhor Dantas.
Nuno fez que sim com a cabeça, lentamente, a pensar em todas as
implicações do caso.
— E onde é que entram os serviços de informação nesta trapalhada?
— É simples — disse o outro. — Dão continuidade ao plano inicial, mas
sem a intervenção de ninguém do topo da administração portuguesa.
— Cumprem ordens do Alto-Comissário?
O senhor Dantas, muito expressivo, comprimiu os lábios numa linha,
franziu as sobrancelhas, esticou o pescoço para a frente. Não sabia, disse, só
sabia que havia sido contactado pelo agente Cardoso. Agora, se era uma
ordem de cima ou uma iniciativa isolada dos serviços de informação militar,
não sabia dizer.
— Mas — voltou a apontar com o queixo para o edifício em frente —
acredito que o nosso próximo encontro nos dê mais alguma luz sobre esta
questão. — Mexeu-se no banco, incomodado com o sol inclemente que batia
de chapa no Carocha , faiscando raios na pintura amarela do carro. O seu
casaco de linho abriu-se e Nuno viu grandes manchas de suor a alastrar na
camisa. O homem pareceu-lhe à beira de desfalecer, teve pena dele. Mas
Nuno ainda tinha mais uma pergunta. Atirou a beata pela janela com um
piparote e apontou para o edifício com o polegar por cima do seu ombro