O Último Ano em Luanda

(Carla ScalaEjcveS) #1

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Regina apaixonara-se por Nuno, sucumbindo por ele ser, ao mesmo tempo,
o tipo menos recomendável e o mais excitante de todos aqueles que paravam
pelos cafés da Avenida de Roma, onde a malta se encontrava a seguir ao
jantar para tomar uma bica e emborcar umas imperiais. Em 1969 Lisboa não
tinha propriamente a noite mais divertida do mundo — nada que se
comparasse a Luanda no início da década de setenta, como, em breve, ela iria
descobrir — mas Regina, então com os seus vinte e cinco anos rebeldes e uma
adolescência mal resolvida, sentia uma irreprimível atracção pelo perigo e
arranjava sempre maneira de tornar as coisas mais interessantes. Nuno entrou
na sua vida no preciso momento em que desaguou no café com aquele ar de
quem vinha de outro planeta. Blusão de cabedal, jeans enxovalhados, botas de
motoqueiro, óculos de sol com lentes amarelas presos no alto da cabeça. Era
alto e usava o cabelo comprido e uma barba ruiva, rala, qual Peter Fonda
saído de uma cena de Easy Rider, o filme do momento. E, lá fora, estacionada,
a inevitável Harley-Davidson. Assim contado, cinco anos depois, parecia
ridículo, um perfeito disparate, ele andava a imitar um actor de Hollywood,
por amor de Deus! Mas o filme era recente e Regina, que ainda não o vira,
achou-o tremendamente original, ficou impressionada. Indagou quem era ele,
um idiota qualquer que anda por aí a vender droga, respondeu-lhe alguém —
Regina já não se recordava quem, embora se lembrasse desse alguém ter
acrescentado; não queiras conhecê-lo, só te vai trazer problemas. Bem, um
tipo com uns olhos azuis de cair para o lado, um pouco mais velho, com a
moto mais extraordinária que ela já havia visto e ainda por cima com fama de
marginal, o que é que uma rapariga poderia querer mais naquela sensaboria
que era a vida de Lisboa dessa época?!


À saída, obrigou as amigas a demorarem-se um pouco ali à porta do café,
conversando no passeio. O seu enfant terrible , o cavaleiro do LSD, vendedor
de ilusões psicadélicas em pastilhas prontas a derreter debaixo da língua,
encontrava-se displicentemente sentado no seu monstro de duas rodas, uma
bota apoiada no chão e a outra atravessada por cima do banco, recostado no
ferro que servia de encosto no lugar do pendura. À sua volta, várias pessoas, a
maioria rapariguinhas deslumbradas. À direita, um amigo, também montado
numa moto de alta potência — embora mais banal — fazia-lhe companhia.
Por instantes os seus olhos cruzaram-se, por entre as cabeças que rodeavam
Nuno. Regina apercebeu-se de que ele continuou a falar, a dizer qualquer
coisa, com um sorriso nos lábios, mas os seus olhos concentravam-se nela, o
sorriso era para ela. Regina não correspondeu, fez-se desinteressada, virou a

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