relaxava a pensar que era uma madrugada sem história, punham o cigarro ao
canto da boca ou atiravam fora a beata para agarrar na metralhadora com as
duas mãos ao verem um carro aproximar-se. Deixavam o dedo encostado ao
guarda-mato, pronto a saltar para o gatilho, e apontavam o foco de luz de uma
lanterna para o interior do automóvel. Nuno aproximava-se a baixa
velocidade, parava o carro, exibia os bilhetes de avião, explicava que ia levar
a família ao aeroporto, e não se esqueçam de mim, rapazes, que tenho de
voltar para casa.
Hoje a sala de espera do aeroporto encontrava-se muito mais tranquila do
que na última visita de Regina, havia uma semana, para se despedir de
Laurinda. O recolher obrigatório vigorava desde as nove da noite e os
passageiros ficavam por sua conta, porque a maioria dos familiares despedia-
se antes da partida dos aviões nocturnos e regressava a casa mais cedo, com
receio de ser apanhada a descoberto na rua depois da hora de disparar a matar.
Nuno abraçou Regina e André. Ela, desolada por deixá-lo para trás, mas sem
querer ceder à tristeza, ao medo de o perder, resistiu com os olhos brilhantes e
a alma num pranto. Beijou-o nos lábios, um beijo demorado, de saudade, e vê
lá, não te arrisques demasiado, não te esqueças de que tens um filho. O miúdo
ensonado, mas de olho aberto, alerta, pressentindo a tensão nos adultos,
agarrou-se ao pescoço do pai quando ele o levantou do chão para um
derradeiro abraço.
— Quando vais ter connosco? — perguntou.
— Dentro de pouco tempo — prometeu Nuno. — Porta-te bem e toma
conta da mãe, que agora vais ser o homem da casa.
Ele abanou a cabeça com muita convicção, aceitando a responsabilidade.
— Não te preocupes, pai — sossegou-o. — Eu tomo conta dela. Vai correr
tudo bem.
Regina sorriu comovida, limpou uma lágrima solteira à beira do olho,
segurou André pela mão e dirigiu-se para a sala de embarque. Passaram pelo
balcão de controlo dos bilhetes e, antes de desaparecerem no interior, ela
voltou-se para trás e atirou a Nuno um último beijo de amor.
Dali a pouco entraram no avião mas, em vez de se fazer à pista e levantar
voo, o aparelho continuou estacionado. A tripulação desligou os motores,
apagou as luzes e as hospedeiras foram de fila em fila sossegar os passageiros
e recomendar-lhes que mantivessem a cobertura interna das janelas baixa, por
causa de uma ameaça de morte.