de fazer um escândalo. Já estava a ver o Monstro Imortal a ser chamado ao
Palácio do Governo para receber um protesto enérgico do Alto-Comissário. E
já estava a imaginar o comandante a sair de lá furioso e a mandar um jipe para
o ir buscar, e a ser levado também para um esconderijo do movimento,
algures num desses musseques labirínticos, donde nenhum prisioneiro saía
vivo. E, porra, não vale a pena ser torturado e morto por uma causa perdida.
Nuno tinha sido executado, como muitos outros, ponto final. Ninguém
mexeria uma palha para o encontrar, Regina estava sozinha e ele próprio não
podia fazer nada para desfazer o que estava feito.
A sua esperança era convencer Regina a partir, metê-la no avião depois de
amanhã e, um dia mais tarde, quando as coisas acalmassem e o tempo já lhe
tivesse suavizado a dor de alma, escrever-lhe uma carta longa que explicasse
tudo e lhe permitisse continuar a sua vida sem ter de carregar todos os dias o
peso de não saber. Patrício sabia como os desaparecidos torturavam os vivos,
paralisados no limbo da ignorância, incapazes de fazerem planos, sempre na
angústia de que o marido, a mulher, o filho, pudesse voltar de surpresa, a
qualquer hora, e descobrisse que já não contavam com ele. Um dia, prometia
a si mesmo Patrício, com o espírito tolhido no opróbrio da cobardia, um dia
digo-lhe...
O que ia na cabeça de Regina era algo bem diferente. Passou a noite em
branco, num tumulto, às voltas na cama, a pensar e repensar no que faria no
dia seguinte. A impaciência e a noção de que aquelas horas deitada de olhos
abertos eram uma perda de tempo, não a deixavam dormir. Sentia-se à beira
de explodir, não queria estar ali parada, queria arrombar portas, abanar
pessoas, obter respostas. Mas, apesar da inquietação, Regina compreendeu
que era importante dirigir aquela energia para atitudes positivas e racionais, e,
para já, tenho de descansar nem que seja um bocadinho. A janela aberta
apaziguava o calor e tornava a provação da madrugada mais suportável. Com
muito esforço, lá sossegou e conseguiu adormecer a tempo de dormir um par
de horas antes do alvorecer. Mas despertou com o chilrear de um passarinho
solitário que pousou no parapeito da janela, anunciando a aurora. Regina
afastou o lençol e saltou da cama num só movimento instintivo e, quando deu
por si, já estava a pé, acordada, de olhos muito arregalados e com todos os
sentidos alerta. Estou a ficar maluca, foi a primeira coisa que pensou. Depois
foi à janela espreitar a rua e descobriu a cidade deserta e molhada por uma
chuvinha fraca.
Não quis acordar Patrício tão cedo e atravessou a sala descalça para ir à