O Último Ano em Luanda

(Carla ScalaEjcveS) #1

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O pequeno monomotor sobrevoava a uma altitude prudente o deslumbrante
território sertanejo do Moxico, um imenso planalto a perder de vista, coberto
de capim alto, amarelo, quase sempre intocado, aqui e ali riscado por uma
estrada, pontuado por uma população, fazendas, senzalas. Aos comandos do
Dornier de asa alta, metido com as suas meditações, Nuno ia-se guiando mais
pelo desenrolar do terreno do que pelos instrumentos. Conhecia o caminho de
cor e, pelas suas contas, tinha autonomia para mais umas quatro horas e meia,
de maneira que podia contar com alguma margem de erro. Não era previsível
que se perdesse, evidentemente, mas, em caso de emergência, o DO-27 era
suficientemente versátil para aterrar em qualquer lado. Contudo, Nuno
preferia não ter de o fazer. A paisagem do sertão era muito mais espectacular
vista de cima e, sobretudo, muito mais segura. Na sua memória ainda estava
bem presente uma audácia temerária que quase o deitara abaixo.


Acontecera numa das suas primeiras viagens. Nuno havia sido vítima da
sua própria ingenuidade de principiante. Voava a baixa altitude, divertindo-se
com a excelente manobrabilidade do avião, acompanhando os caprichos do
terreno, vendo passar as árvores, os espaços abertos, os rios, perseguindo uma
manada de elefantes à desfilada, deliciando-se com a paisagem amarela e
verde a uns vertiginosos duzentos quilómetros por hora. Àquela altitude,
ganhava-se uma consciência da velocidade que não era perceptível mil ou mil
e quinhentos metros mais acima. Nuno agarrava-se aos comandos com as
mãos a suar, a camisa encharcada, concentração total, impelido pela tentação
de esticar a corda até ao limite, de testar a sua coragem, crispado num misto
de adrenalina e excitação.


Subitamente, surgiu-lhe uma senzala à frente e ele, com a impressão de que
ia entrar por uma cubata adentro, puxou instintivamente o manche do avião,
ao mesmo tempo que lhe saltou da boca uma exclamação involuntária,
«uau!» , gritou, sentindo aquela estranha sensação no estômago revolvido
quando o impetuoso aparelho, reagindo automaticamente, subiu a pique, logo
seguido de uma volta apertada de cento e oitenta graus sobre a esquerda. Mal
teve o ensejo de recuperar do susto e normalizar a pulsação, Nuno quis
satisfazer a curiosidade e, sem pensar no que fazia, voou em círculos
apertados sobre a senzala para observar o movimento lá em baixo.


Avistou um grupo de homens concentrado no terreiro central, em redor do
qual se dispunham as cubatas. Animado por um impulso sentimental, que dali
a pouco não deixaria de considerar perfeitamente idiota, Nuno efectuou uma

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