O Último Ano em Luanda

(Carla ScalaEjcveS) #1

possibilidades eram inúmeras e cada uma mais arrepiante do que a outra. O
Interior angolano era tão vasto e desabitado que um pequeno monomotor
imobilizado em terra e longe da sua rota original podia, simplesmente,
desaparecer para sempre.


Pelo pouco que conhecia do intermediário que lhe proporcionara o negócio
da compra do aparelho, Nuno não se admiraria se este tivesse vindo realmente
de alguma unidade operacional da própria Força Aérea Portuguesa. O
habilidoso senhor Dantas revelara-se um homem de infindos e insondáveis
recursos e Nuno, pouco dado a curiosidades, não fizera demasiadas perguntas.
Desde que a papelada estivesse toda em ordem e o avião em perfeitas
condições de funcionamento — como era o caso —, queria lá saber de que
cartola o homem fora desencantar o Dornier . Ao ver pela primeira vez aquela
beleza branca a brilhar debaixo de um sol abrasador, à porta do hangar,
empinado como um irrequieto cavalinho rampante, Nuno baixou os óculos
escuros com a ponta do dedo e espreitou por cima deles com admiração
velada, sem querer mostrar demasiado entusiasmo, mas tão bem
impressionado que só lhe apeteceu dar um grito triunfal.


— É uma maravilha, não é? — comentou o senhor Dantas, como que
embevecido, olhando-o de lado ao mesmo tempo, estudando-o, manhoso, com
uma mão desassossegada no bolso das calças de uma farpela amarrotada, a
mexer umas moedas ou um molho de chaves.


— Não está mal — disse Nuno, franzindo os cantos da boca com ar do
entendido que até nem era. — Mas teria de o experimentar — acrescentou,
sem se dar por achado.


— É para já, meu caro! — exclamou alegremente o senhor Dantas.
— Agora? — espantou-se.
— Agora mesmo.
— Mas não é preciso um plano de voo? — estranhou Nuno.
— Está tudo tratado! — disse o outro, sempre exuberante, todo ele
facilidades. — Vamos lá, vamos lá.

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