O Último Ano em Luanda

(Carla ScalaEjcveS) #1

desavença sem importância nenhuma. Nuno tinha perfeita consciência do
perigo, mas, lá estava a tal coisa, coragem não lhe faltava e, de qualquer
modo, queria vingar-se daquele filho da mãe que o pressionava a toda a hora,
o obrigava a correr riscos e ameaçava partir-lhe as pernas. Vais ver, cabrão,
vais ver quem é que vai ficar com as pernas partidas.


Marcou o encontro para as onze da manhã, numa esplanada da Avenida de
Roma. Chegou vinte minutos mais cedo, escolheu uma mesa, sentou-se, pediu
um café. Batia um sol tépido de Outubro, havia um movimento alegre na rua,
e tudo aquilo, visto por detrás de uns óculos de sol Ray-Ban que lhe
assentavam como uma luva na sua carinha abençoada por Deus que, como
muito bem via, fazia as mulheres voltarem-se para o observarem
descaradamente quando passavam à frente da esplanada, era promissor, dava-
lhe confiança. E Nuno, quando se sentia confiante, tornava-se simplesmente
imparável.


O comprador era um tipo descontraído, com pinta de playboy , um típico
filhinho do papá. Na opinião de Nuno, não passava de um idiota inútil, mas
quem era ele para o criticar? O playboy vestia um pólo Lacoste , camisola
branca sem mangas Lacoste e calças brancas... Lacoste, naturalmente. Usava
os inevitáveis Ray-Ban e, apesar de não ter aparecido a balançar uma raqueta
na mão, dir-se-ia que iria jogar ténis, embora Nuno suspeitasse que ele não
jogasse coisa nenhuma e usasse a roupa só para se armar em desportista.
Saltou de um caprichoso MG descapotável, um clássico, que deixou mal
estacionado, aproximou-se da esplanada, espreitou por cima dos óculos,
descobriu Nuno à sua esquerda, acenou de longe, jovialmente, aproximou-se,
esticou-lhe a mão por cima da mesa, deixou-se cair na cadeira de braços, de
ferro. Vinha estafado, ia-se lá saber porquê.


— Está um calor dos diabos — comentou. — Estou a morrer por um sumo
de laranja natural. — Nuno sorriu vagamente, muito contido, a pensar que não
fazia assim tanto calor e que o tipo não tinha uma gota de suor no rosto e
cheirava a sabonete, a aftershave e a água-de-colónia. Acabara de sair da
cama, portanto. Tomara uma banhoca e estava fresco como uma alface e a
armar ao pingarelho.


— O empregado já aí vem. — Apontou para o interior da pastelaria com
um cigarro entalado entre os dedos.


— Porreiro — disse o outro. Chegou-se à frente na cadeira a esfregar as
mãos. — Então — perguntou —, temos negócio? — Nuno abriu as mãos,

Free download pdf