— Como é que sabes?
— Sei, porque tens o talento e a determinação para chegares lá.
Ele abanou lentamente a cabeça, com os lábios crispados, pesando a afirmação dela.
— Talvez — disse, sentindo-se agradavelmente elogiado.
— Tenho a certeza — entusiasmou-se Clara. — Vais realizar todos os teus sonhos, vais ver.
— Sabes, nunca chegamos lá, mesmo quando tudo nos corre bem, estamos sempre a um passo,
porque os nossos sonhos são maiores do que nós.
Clara abriu muito os olhos, reflectindo nas palavras dele.
— Pois — disse —, nunca nos contentamos, não é?
— Exactamente.
— Mas isso é bom, não achas?
— Acho, claro, evita que nos acomodemos.
— Então, pronto, tens um belo futuro à tua frente — disse, satisfeita, e comigo ao teu lado,
pensou.
Talvez por serem mais parecidos um com o outro do que imaginavam, tornaram-se inseparáveis.
Aquela íntima impressão que ambos tinham de não encaixarem em lado nenhum, de nunca se
integrarem totalmente nos ambientes que frequentavam, desapareceu porque eles se completavam.
João Pedro não tinha mais de três ou quatro verdadeiros amigos, mas foi bem recebido pelos amigos
de Clara, e ela rejubilava de orgulho por ser namorada do melhor aluno da faculdade. Entre eles não
havia constrangimentos. Clara já não vivia em estado de alerta permanente, sempre pronta para saltar
com uma resposta torta ao menor indício depreciativo nas palavras alheias, estava menos irritável e
agressiva, mais dócil e tolerante com as outras pessoas. João Pedro também se tornou mais sociável
e despreocupado, conseguia relaxar sem receio de ser desconsiderado pelos colegas. Antes, isolava-
se muito, andava sozinho pela universidade, trocava umas parcas palavras com um ou outro colega
no início das aulas e era tudo. Agora passava o tempo todo com Clara e a sua companhia transmitia-
lhe uma sensação de segurança e de felicidade que nunca sentira. Havia nele uma evolução positiva,
como se tivesse chegado finalmente à idade adulta e tivesse deixado para trás, definitivamente, os
traumas do miúdo estranho e maltratado do liceu. Mas o futuro encarregar-se-ia de desmentir esta
impressão.
Enfim, terminaram o curso e casaram, naturalmente, muito embora a mãe de Clara tivesse ficado
horrorizada com João Pedro quando ela o apresentou.
— E o menino como se chama? — perguntou-lhe, com uma careta a meio caminho entre o desprezo
e o desgosto.
— Mãe! Acabei de lhe dizer que se chama João Pedro — repreendeu-a Clara, irritada com a
atitude dela.
— Mas o João Pedro tem apelido ou não?
— João Pedro Maia — respondeu ele, arvorando um sorriso descaradamente forçado, desejoso de
lhe mostrar que não se deixava intimidar pela sua antipatia, embora não se sentisse nada à vontade
naquela sala grandiosa.
Ela soltou uma gargalhadinha espontânea a meio dum gole no seu uísque aguado, teve um pequeno
soluço cómico, quase entornou o copo que segurava só com o polegar e o indicador, muito elegante,