novidades todas que não se detinha com a clarividência de um pensamento lógico. O que desejava
sobrepunha-se ao que podia. Arriscava-se, portanto, a sofrer uma enorme desilusão, ou, quiçá,
beneficiaria com a inconsciência.
As pessoas que não se sentem condicionadas pelos seus próprios limites tendem a ultrapassá-los,
para o bem ou para o mal, dado que não receiam o constrangimento da inconveniência, não se
preocupam com as convenções sociais. Ora, esse era o espírito actual de João Pedro. Este João
Pedro, que sempre vivera demasiado alarmado com as reacções daqueles que o rodeavam; que se
inquietava doentiamente com o que os outros pensavam ou diziam dele; que nunca relaxava por
receio de baixar as defesas, era o mesmo João Pedro que agora se propunha seguir em frente sem
ponderar o bom senso das suas acções. Porque, de repente, tudo lhe parecia claro, óbvio, fácil. Não
lhe ocorreu, por exemplo, que uma mulher invulgarmente bonita, alegre e descontraída como
Cristiane, hospedeira viajada por esses vastos continentes e já senhora dos trinta e poucos anos,
fosse, muito provavelmente, comprometida. Um homem no seu perfeito juízo pensaria que Cristiane
não estaria solteira e à sua espera. Em contrapartida, um homem descuidado que andasse a pairar
pela vida ao sabor da espontaneidade só encararia a circunstância de Cristiane ser a sua nova vizinha
como uma oportunidade. E porque não? Os homens e as mulheres passavam a vida a juntar-se e a
separar-se, portanto, Cristiane podia ser invulgarmente bonita, alegre e descontraída e, mesmo assim,
estar disponível! A possibilidade existia, de facto, o que faria a diferença se a quisesse conquistar
seria o optimismo ou o pessimismo com que João Pedro encarasse o assunto, pois o que ele faria a
seguir dependeria somente da sua autoconfiança. Para ele, Cristiane era a mulher que estivera nos
seus braços na noite anterior e, ainda que tivesse sido só no sonho, João Pedro acreditava que este
tivera uma sequência bem real, o que lhe sugeria haver já entre eles uma relação naturalmente
próxima. Ao pensar nela, sentia uma grande intimidade. Claro que João Pedro sabia que essa
intimidade não existia, contudo, insinuava-se-lhe uma vaga ideia no espírito, tão indefinida que não
chegava a ser um pensamento concreto, de ter havido algo entre eles, uma espécie de relação ou o
que se quisesse chamar àquela circunstância tão singular, embora Cristiane não o soubesse. Era como
se ela não se recordasse dele, mas, lá no fundo, sentisse uma forte ligação. Isto resumia a percepção
pouco consistente e fantasiosa que João Pedro tinha dos dois minutos que passara com Cristiane em
toda a sua vida.