dizer. De qualquer modo, ela fartava-se de falar e só precisava de ter alguém disponível para a ouvir,
e, nesse aspecto, João Pedro era perfeito.
Cristiane ainda não vira um único quadro de João Pedro e já se sentia impelida a reputá-lo de
pintor genial, ou, pelo menos, atribuía-lhe a genialidade em função da extravagância.
Vendo-a estirada na chaise longue, descontraída num imenso conforto, com os pés ataviados com
pedaços de algodão entalados entre os dedos, João Pedro hesitou. Ela recolheu os pés para lhe dar
espaço.
— Sente-se — disse, mas ele não se sentou.
— Tenho de ir — declarou, como se estivesse com pressa em ir a algum lugar.
— Não vá — pediu ela. A frase soou como uma súplica. — Estou só à espera que as unhas
sequem.
João Pedro contemplou-a, a pensar o que fazer.
À espera para quê?, pensou ele, curioso, dado que a frase não fazia sentido.
— Tem onde jantar? — perguntou-lhe.
— Não, a minha cozinha ainda não está operacional. Como um iogurte, ou assim.
— A minha cozinha está operacional, mas eu não sei cozinhar.
— Isso é uma sugestão para eu ir a sua casa fazer o jantar para os dois?
Ele encolheu os ombros e Cristiane apressou-se a tirar os algodões dos pés. Parecia uma
adolescente excitada, desesperada por um convite para passar a noite com o rapaz dos seus sonhos.
— Não se preocupe, que sou boa cozinheira. Vou só lá acima buscar uns sapatos. — Levantou-se
muito depressa, foi a correr calçar-se.
João Pedro ficou ali especado, a coçar a barba, pensativo, impressionado com o efeito que parecia
produzir nela. Não é que estivesse exactamente espantado ou inseguro. É preciso recordar que ele
acreditava que estava a viver a continuação de um sonho onde Cristiane se aninhava nos seus braços
apaixonadamente. Logo, não se admirava que ela não quisesse que se fosse embora, ou, se fosse,
desejasse ir com ele. Em contrapartida, Cristiane não se imaginava a protagonizar um sonho de João
Pedro. Era uma possibilidade demasiado rebuscada para ela a considerar.
Cristiane abriu sacos e malas freneticamente, espalhando o seu conteúdo pelo quarto, à procura de
sapatos. Depois, sem conseguir decidir-se por um par ou outro, acabou por calçar umas sandálias
rasas. Afinal era Verão, as sandálias faziam sentido e, já que acabara de pintar as unhas, queria
exibi-las em todo o seu esplendor vermelho.
Ela esforçava-se para impressionar João Pedro porque se sentia impressionada por ele. De
repente, ali estava um famoso pintor de enorme talento, votado ao trabalho, que despendia horas do
seu precioso tempo para lhe fazer companhia por mero capricho. Sim, tratava-se de um capricho,
visto que Cristiane já concluíra que João Pedro não se interessava especialmente por ela. Sim,
Cristiane não tinha o hábito de se deslumbrar com pessoas conhecidas, não valorizava a fama por aí
além, mas não era insensível a que uma pessoa excepcional a considerasse digna de atenção e, neste
caso particular, sentia-se elogiada.
O que Cristiane acreditava não era exactamente o que se passava. João Pedro não era tão famoso
nem tão excepcional quanto ela pensava, e João Pedro não negligenciava o seu tempo de trabalho —