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Cristiane desejava ter um filho, porém, faltava-lhe a estabilidade emocional para ser uma mãe
responsável. Ela própria pensava que não seria uma boa mãe. Não falava muito do pai, mas como
não tinha irmãos e não se dava com a família mais distante, a sua morte tivera nela um efeito
demolidor. Em vida, evitava-o, oferecia-lhe só a atenção mínima que lhe impunha o seu dever moral
de filha. Visitava-o a espaços, telefonava-lhe uma vez por semana, tinham conversas polidas, vagas e
desinteressantes.
O embaixador amava-a desmedidamente, embora falhasse a transmitir afectos. Debaixo de uma
educação exemplar havia um homem exageradamente tímido que, por força de uma profissão exigente
no desenvolvimento de relações com os seus pares do corpo diplomático, se refugiava no rigor
morigerado, nas convenções sociais seguidas à letra, na simpatia de um eterno sorriso, numa palavra
acertada para cada ocasião.
Ainda pequena, se Cristiane corria para os braços do pai ou lhe saltava para o colo na sua feliz
ingenuidade de criança despreocupada, era logo posta na ordem com um raspanete ligeiro, que aquilo
não eram modos de uma menina se comportar, e afastada com firme delicadeza. Essa distância
imposta pelo pai foi interiorizada e acatada por Cristiane e trazida para a idade adulta com um
ressentimento antigo e inultrapassável. Ao contrário do embaixador, Cristiane era desinibida e
exuberante, muito comunicativa, mas, perante o embaixador, sentia-se intimidada e bastava um olhar
circunspecto dele para voltar a ser a menina que corria para o pai e era chamada à atenção.
E no entanto, ainda sentia a morte dele como o corte da última amarra que a ligava ao porto de
abrigo. Enquanto ele existia, Cristiane tinha a reconfortante sensação de segurança, pois sabia que
ele a protegeria sempre, mesmo se ela fazia questão de se precaver para nunca vir a ter de lhe pedir
ajuda para coisa alguma. Semanas antes, quando o advogado a informara de que o pai lhe reservara
uma soma bastante confortável de dinheiro, acumulado à custa de anos de rigorosas poupanças e
diligentes investimentos para lhe deixar em testamento o futuro assegurado, Cristiane não conteve
mais as lágrimas que não derramara no funeral e desmanchou-se num pranto comovido. Sentiu então
que fora injusta com ele ao tratá-lo com uma frieza obstinada que ele afinal não merecia. Mas era um
arrependimento impossível de reparar.
Depois aparecera-lhe João Pedro e Cristiane levara-o para sua casa, desejando desesperadamente,
ainda que não tivesse plena consciência disso, usá-lo para esquecer, ou, pelo menos, abafar, a
profunda tristeza que a consumia. Agora que estava por sua conta, sofria com o presságio de uma
velhice solitária. Quando a beleza acabasse e já não fosse assim tão popular aos olhos fáceis de
homens deslumbrados, o que lhe restaria?
Gostara sempre de sexo e nunca se coibira de o fazer desmedidamente, talvez como reacção
terapêutica à falta de amor. Tivera um amante, um colega com quem voava para o Brasil, que a