fisioterapia quando ele queria ceder à preguiça. E zangava-se com Filipe,
telefonava-lhe do hospital logo de manhã para ter a certeza de que ele não
ficaria em casa dormindo.
Patrícia gostava de Filipe, evidentemente, o entusiasmo inicial foi
ressurgindo, mas agora com medo. Já não estava disponível para se entregar
livremente, conforme a sua vontade, não cedia ao desejo, tinha receios,
refugiava-se em cautelas para se proteger de um novo desapontamento.
Contudo, dividia o seu tempo entre o trabalho no hospital e a companhia de
Filipe. Eram inseparáveis, deslumbrados, sempre pendentes, à beira de um
beijo. Ela sonhadora, mas hesitante, ele determinado, mas desajeitado.
Quando Patrícia tinha folga no hospital, acompanhava-o nas romarias
noturnas pelos bares do Bairro Alto. Conheceu os amigos de Filipe, sentou-se
com eles à mesma mesa. Participava nos debates infindos que animavam a
madrugada e era uma aguerrida defensora das suas ideias. Tinha opiniões
próprias sobre os assuntos que discutiam e não se inibia de dizê-las. Quando
chegavam, enquanto estavam, quando partiam, os amigos pensavam sempre
que Filipe e Patrícia eram amantes apaixonados, só eles sabiam que lhes
faltava dar um passo para se completarem.
Tinham apenas vinte e poucos anos então, pensou Patrícia, saudosa,
recordando-se de que estragara tudo num dia em que anunciara a Filipe ter
aceitado um convite de um colega para jantar. Disse-lhe aquilo
propositadamente para instigá-lo, lembrava-se bem, uma infantilidade,
reconhecia-o hoje. Naquela altura, viam-se todos os dias há praticamente um
mês e, não obstante os esforços de Filipe para seduzi-la, Patrícia mantinha-se
irredutível no seu cantinho, resistindo-lhe mansamente, valorizando o amor,
dando-lhe a entender que valia a pena insistir. E ele assim fazia, mas, ao ouvi-
la dizer que ia jantar com o colega, sentiu a humilhação revolver-lhe as
entranhas e respondeu-lhe sem contemplações: “Vai jantar com ele e esquecer
que eu existo!” Falavam ao telefone e Filipe, furioso com ela, cortou a ligação
sem deixá-la dizer mais nada.
Patrícia despiu o jaleco branco das consultas, vestiu o casaco, pegou a
carteira, entreabriu a porta do consultório, apagou a luz. Deixou-se ficar um
instante suspensa num pensamento, na escuridão do consultório só recortado
por uma faixa de luz do corredor, com a mão sobre a maçaneta da porta,
perguntando-se o que a levaria a rever agora o início da sua relação com