2 • Público • Quinta-feira, 19 de Setembro de 2019
DESTAQUE
Portugal
precisa
de 85 mil
milhões
para ser
neutro em
carbono
O país terá de investir 85 mil milhões de
euros a mais até 2050 para “zerar” o seu
saldo de emissões poluentes. A maior
parte do dinheiro virá das famílias e das
empresas privadas
Ana Brito
Q
uando os líderes mundiais se
reunirem na próxima sema-
na nas Nações Unidas para
discutir as medidas necessá-
rias para cumprir o acordo
de Paris, o Ænanciamento da
descarbonização das economias será
um dos temas incontornáveis do
debate.
A discussão sobre como se conse-
guirão os muitos milhões que os paí-
ses necessitam para travar as emis-
sões poluentes faz-se neste momen-
to em todas as geograÆas. Em
Bruxelas aprovou-se no ano passado
o Plano de Acção para Financiar o
Crescimento Sustentável que, na
prática, nos próximos anos, irá criar
regras para estimular (e compelir) o
sector Ænanceiro a emprestar dinhei-
ro aos projectos verdes.
A premissa é simples: os recursos
públicos disponíveis não são suÆ#
cientes, o dinheiro para a descarbo-
nização terá de vir também do Ænan-
ciamento privado.
Para Portugal, as contas apresen-
tadas pelo Governo apontam para a
necessidade de investimentos adicio-
nais de 85 mil milhões de euros de
modo a cumprir o objectivo de atin-
gir a neutralidade carbónica até
2050, reduzindo as emissões de
gases com efeito de estufa em mais
de 85% face a 2005.
O valor consta do Roteiro para a
Neutralidade Carbónica 2050
(RNC2050) e será apenas “uma frac-
ção” dos investimentos que “a eco-
nomia portuguesa terá de fazer ao
longo do tempo por forma a manter-
se competitiva”. Segundo o docu-
mento, o valor global agregado de
investimento até 2050 será de cerca
de um bilião de euros e, destes, cerca
de 930 mil milhões “serão realizados
em qualquer caso em resultado da
dinâmica normal da modernização
da economia”, que tenderá, em vir-
tude das políticas já em vigor, para
uma diminuição das emissões, mas
que não atingirá a descarbonização
plena sem um esforço suplementar.
Este “investimento adicional neces-
sário para atingir a neutralidade car-
bónica” rondará os 85 mil milhões e
concentrar-se-á essencialmente no
sistema energético, não só no que
toca à produção eléctrica e às reÆna-
rias, mas também aos consumos, seja
nos edifícios, transportes ou indús-
Investimento previsto entre 2016 e 2050
para modernizar a economia portuguesa
(sem contabilizar medidas para atingir
a neutralidade carbónica)
Investimento adicional
para atingir a neutralidade
carbónica no sector
energético
931,
mil milhões de euros
Uma economia a caminho
da neutralidade carbónica
85,
mil milhões de euros
Electricidade
Transpor
58,
21,
369
tria, que no conjunto representam
quase 80% das emissões poluentes.
Assim, descarbonizar a economia
nas próximas três décadas exigirá
um esforço anual adicional entre
2100 a 2500 milhões de euros (cerca
de 1,2% do PIB), que será essencial-
mente suportado pelas empresas e
pelas famílias. “O sector privado e
os agregados familiares serão res-
ponsáveis pela vasta maioria dos
investimentos”, refere o documen-
to, que foi publicado em Julho sob
forma de Resolução do Conselho de
Ministros.
As empresas terão de apostar, por
exemplo, em energias renováveis, em
camiões a hidrogénio, e em fornos e
caldeiras eléctricos para produzir, de
forma mais sustentável, produtos
mais amigos do ambiente. E as famí-
lias terão de destinar parte dos seus
orçamentos à compra desses novos
produtos, como electrodomésticos
eÆcientes ou automóveis eléctricos,
terão de isolar as suas habitações ou
converterem-se elas próprias em pro-
dutores de electricidade solar.
Ao Estado competirá, entre outras
tarefas, reforçar o transporte público
eléctrico e descarbonizar os edifícios
e as frotas automóveis das várias
administrações.
Olhando para as estimativas apre-
sentadas para atingir a meta da neu-
tralidade, a adaptação dos edifícios
deverá exigir investimentos totais de
480 mil milhões de euros (incluindo
22 mil milhões adicionais para a neu-
tralidade), seguindo-se os transpor-
tes (401 mil milhões, dos quais 32 mil
milhões para a neutralidade) e a pro-
dução de electricidade (80 mil
milhões de euros, incluindo 21 mil
milhões para a neutralidade).
Transformar as linhas orientado-
ras do roteiro em realidade exige a
deÆnição de políticas e a “adaptação
do sistema regulatório, Æscal e dos
incentivos que proporcionem sinais
claros” aos privados para “facilitar
os investimentos necessários e evitar
activos obsoletos”, reconhece o
Governo. Por outras palavras, com-
petirá ao Estado criar o ambiente
propício para que cidadãos e empre-
sas façam as suas escolhas orientadas
para a descarbonização.
Para isso, o Governo conta não só
com a preciosa ajuda dos fundos