Público - 19.09.2019

(Ron) #1

26 • Público • Quinta-feira, 19 de Setembro de 2019


ECONOMIA


Opinião


Eduardo de Oliveira


e Sousa


As alterações climáticas são talvez,
na actualidade, um dos temas mais
abordados em qualquer discussão,
política ou outra. O ciclo climático
do planeta é algo que está em
permanente variação e por isso são
conhecidos os diferentes períodos
que a Terra atravessou. Já foi um
deserto, já foi gelada, já teve
dinossauros, enÆm, um
sem-número de variações que são
consequência das alterações que se
vão veriÆcando à medida que o
tempo passa.
Na presença de um ciclo que
somos agora nós próprios capazes
de sentir e que nos é “palpável”,
como é o caso do aquecimento
global, temos grande diÆculdade em
“encaixar-nos” nesta mudança. E
porquê? Na minha opinião, porque
o ciclo da vida humana é demasiado
curto e rápido se comparado com a
“vida” do planeta, e a humanidade
criou um modelo de
desenvolvimento — a que chama
progresso — que tem na base mais
consumo, mais tecnologia e mais
velocidade. Queremos fazer mais
coisas, queremos ter acesso a tudo,
e queremos que tudo aconteça
rapidamente. Está-nos no sangue.
Nesta equação, que
aparentemente evidencia estarmos
em rota de colisão com o futuro do
planeta, chegamos à conclusão que
é necessário alterar
comportamentos e é preciso agir.
No entanto, apesar de sabermos
que é na sustentabilidade que
encontraremos a resposta para os
problemas que são gerados pelo
desenvolvimento, não estamos
disponíveis para abdicar do
progresso a que nos habituámos.
Falamos, discutimos ainda mais,
mas, salvo honrosas exceções,
esperamos que a situação se resolva
por si. Sonhamos que um dia
acordaremos de manhã e tudo
estará resolvido. Alguém tratou do
problema. Não é assim! Na vida,
temos que fazer escolhas.
Com objetividade e racionalidade


técnica, abordo os efeitos das
alterações climáticas, em particular
o avanço da desertiÆcação, para me
focar na questão da água e na
necessidade de constituição de
reservas.
Muito se tem falado nos últimos
tempos em barragens. Animam
discussões políticas, à esquerda e à
direita, e são usadas como “arma”
de suporte de argumentos
ideológicos que prejudicam um
raciocínio de base técnica, o mais
lógico possível, que possibilite a
construção de opções objectivas
que resultem em ferramentas de
resolução de problemas. É, aliás,
isso que se exige a um engenheiro.
A agricultura tem hoje várias
vertentes e funções. A primeira é a
de produzir alimentos, a segunda,
de se enquadrar o melhor possível
no território, contribuindo para a
sua gestão e ordenamento, a
terceira é adaptar-se para poder
“viver” num ambiente em
transição, sem depauperar os
elementos e os recursos de que
necessita, consciente do seu
contributo para os efeitos
secundários que origina, à
semelhança de todas as outras
actividades humanas.
Em simultâneo, a agricultura é
também uma actividade
económica, mais intensa aqui,
menos ali, mas, para poder
interessar as pessoas, tem de
produzir resultados. Não imagino
uma agricultura realizada tipo
função social, paga pelo erário,
ausente de risco e desligada da
propriedade e iniciativa privadas.
(Prometo ter sido este o único
“reparo” de carácter político que
aqui expresso.)
Voltando ao tema água, há um
velho provérbio que diz... “Água é
vida!” Nada mais simples. É
verdade, todos o sabemos e não tem
discussão.
Ora, sabemos também que
plantas e animais precisam de água
e, estando envoltos em ciclos
económicos produtivos, precisam
de água em quantidade e momentos
adequados. Caso assim não seja, o
resultado das suas produções é, na
nossa geograÆa e nas nossas
condições edafo-climáticas (edafo
tem a ver com o solo), impossível de
produzir resultados
economicamente viáveis e
interessantes. Ou seja, em Portugal

processo de desertiÆcação.
Com este problema em mãos, na
minha opinião, volto a insistir, e na
impossibilidade de conseguirmos
como humanos inverter em tempo
útil o caminho do planeta, ou nos
preparamos e adaptamos para
enfrentar o desaÆo — tentando
juntar acções que ajudem à sua
inversão — ou aceitamos o “destino”
e baixamos os braços. É aqui que
entram as barragens. Para
enfrentarmos este problema,
precisamos de apostar na
agricultura, Æxar pessoas ao
território, investigar como produzir
mais eÆcientemente com maior
escassez de recursos. Havendo
pessoas no território, há condições
para um melhor ordenamento e,
com ele, uma diminuição das
condições propícias ao aumento
dos fogos rurais e Çorestais que
tanto e tão violentamente têm
assolado o país. Em resumo, é
preciso mais vida e, para isso, é
preciso água.
Se não tivermos barragens, sem
fazer aqui quaisquer conjeturas
sobre as suas dimensões, grandes
ou pequenas, no Tejo ou em
Trás-os-Montes, na Beira ou no

Algarve, uma coisa é certa: não
vamos ter água. Ou melhor, água
vamos ter, mas será cada vez mais
escassa e menos disponível para o
tal ciclo económico que Æxe as
pessoas, menos oportuna e até mais
violenta quando ocorrer,
encontrando um território
despovoado, envelhecido e
vulnerável. Ou seja, mais deserto. É
isso que queremos?
“Enquanto há vida há
esperança”, outro dizer nosso. Se
formos objetivos, técnicos e
cientíÆcos, se nos motivarmos a
encontrar soluções que nos levem a
enfrentar este gigante Adamastor
que se nos apresenta, estaremos a
preparar o país e o planeta para que
os nossos Ælhos e netos possam
continuar o nosso trabalho. Mas, tal
como quando percorremos um
caminho, há que dar o primeiro
passo. Esse, temos de ser nós a dar.
Chama-se escolha. Ou queremos
barragens, ou não queremos
barragens.

Ainda sobre as barragens:


na vida, temos de fazer escolhas


Em Portugal


e no Sul da Europa,
para termos

agricultura viável,


é preciso regar.


Temos de escolher:
ou queremos

barragens,


ou não queremos


barragens


MANUEL ROBERTO

Engenheiro Agrónomo;
presidente da CAP
(Confederação dos Agricultores
de Portugal)

e no Sul da Europa, para termos
agricultura viável, é preciso regar.
Sabemos agora, e já o sentimos na
pele, que daqui para diante a chuva
vai cair entre nós de maneira
diferente, mais concentrada e em
menor quantidade. Os períodos
sem chuva serão mais longos, mais
quentes e mais frios. Ou seja, o
clima será mais seco. É esta a
terrível equação que dá origem ao
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