Público • Quinta-feira, 19 de Setembro de 2019 • 37
CULTURA
Jornalista. Escreve à quinta-feira
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E de súbito um nome: Jom Tob
Azulay. Não é um nome estranho
entre nós, e talvez alguém ainda se
lembre que foi ele que realizou a
longa-metragem luso-brasileira O
Judeu (1995), baseada na vida de
António José da Silva, onde
pontuavam actores que já nos
deixaram, como Dina Sfat
(1938-1989), Mário Viegas
(1948-1996) ou José Lewgoy
(1920-2003). Mas o Ælme mais
marcante para Jom Tob, anterior a
esse, foi Doces Bárbaros ,
documentário que registou o
espectáculo que juntou Caetano
Veloso, Gilberto Gil, Gal Costa e
Maria Bethânia em 1976, uma
década passada sobre o início do
movimento Tropicália e das
respectivas carreiras. Uma ideia
da gravadora que acabou, na
câmara de Jom Tob, por ser “um
Ælme sobre os anos 70”.
Ora esse Ælme, de que muito se
fala mas poucos conhecem na
íntegra (os que o viram foi em
cópias de má qualidade), está de
volta, restaurado, com som em 5.1 e
imagem em 4K. E foi isso que trouxe
o realizador a Portugal, já que o
Ælme vai ser mostrado numa sessão
especial, no Porto (dia 21, às 21h30,
no Cinema Trindade), com a
presença de Jom Tob Azulay. Que
não veio a Portugal só por isso:
também esteve no domingo
passado em Lisboa, na Livraria da
Travessa, a apresentar oÆcialmente
um DVD, ali posto à venda, com
cinco curtas-metragens baseadas
em cinco contos de Machado de
Assis: Uns Braços (realizada por ele
próprio), O Caso da Vara (por
Liloye Boubli), Teoria do Medalhão
(Mário Vieira da Silva), Entre Santos
(Helena Lustosa) e Uma Visita de
Alcibíades (Octávio Bezerra).
Nome: Machado X 5.
Nascido no Rio de Janeiro, em
1941, Jom Tob foi diplomata antes
de ser cineasta, e tinha acabado de
deixar o Itamaraty (onde assistiu à
“caça às bruxas” durante a ditadura
militar, afastando-se em 1976)
quando lhe “puseram” literalmente
uma câmara nas mãos para registar
Doces Bárbaros. O resultado — que
só agora, devido à evolução da
engenharia sonora e visual, ganha a
qualidade de som e imagem
ambicionadas no início — é
poderoso, não só pelo contexto (Gil
é preso e julgado a meio, por posse
de droga, num processo que o Ælme
aproveita, inclusive registando as
alegações judiciais) como pelas
interpretações dos cantores, com
muitos pontos altos onde sobressai
Bethânia, genial em Um Índio , mas
também Gil em Quando , Caetano
em Pássaro proibido , Gal em Eu te
amo , e todos juntos em Os mais
doces bárbaros, Atiraste uma pedra
ou Fé cega, faca amolada , de Milton
Nascimento e Beto Guedes. A
estreia comercial portuguesa será
em 5 de Dezembro, podendo, no
futuro, ser editado em DVD.
Voltando a Machado de Assis: o
poeta e crítico Aèonso Romano de
Em Público
Nuno Pacheco
Sant’Anna escreve, no desdobrável
de Machado X 5 , que a passagem ao
cinema de cinco dos contos do
fundador da Academia Brasileira de
Letras “presta enorme serviço à
literatura e ao cinema”, pondo à
disposição de “uma grande
audiência o conhecimento de um
mestre da arte de contar”. É um
mérito que anda a par das reedições
(e não são poucas) das obras do
escritor brasileiro, em colectâneas
ou livros avulsos. E já que, em
tempos, por causa de ortograÆas,
nos venderam a ideia de que as
obras iriam circular com maior
celeridade, blá, blá, blá, Machado
de Assis é um bom exemplo dessa
aviltante demagogia. Por exemplo:
o preço de Dom Casmurro , em
edição portuguesa, oscila entre 6 e
14 euros. Mas uma edição brasileira
do mesmo romance pode custar,
em Portugal, 80 euros. ConÆram. O
DVD Machado X 5 , aliás, também é
mais caro do que um DVD normal,
aproximando-se do preço de um
Blu-ray UHD. O que justiÆca isto? O
peso das taxas alfandegárias! Se
algum problema existe, no domínio
cultural, entre Portugal e Brasil (e
vice-versa), repita-se quantas vezes
forem necessárias, ele nunca foi
nem é ortográÆco; é Æscal. E
nenhuma ortograÆa conseguiu, ou
conseguirá, furar essa barreira.
Salvem-se as obras citadas, para
lá de qualquer preço. Que essas,
mesmo vindas de diferentes eras,
trazem consigo um Brasil criativo e
digno, bem acima das muitas
baixezas do presente.
Viagens sonoras e visuais
pelo Brasil dos Doces Bárbaros
e de Machado de Assis
DR
Artes
Rodrigo Nogueira
Entre hoje e domingo
há música, arte urbana,
performance e conversas
sobre a cultura e a cidade
em Monsanto, Lisboa
Criado em 2016, o Iminente passou os
primeiros dois anos no Jardim Muni-
cipal de Oeiras, tendo-se mudado para
o Panorâmico de Monsanto, em Lis-
boa, no ano passado. Depois de edi-
ções em Londres, Xangai e Rio de
Janeiro, o festival criado pelo artista
Vhils decorre de hoje a domingo com
nomes da música, muito entre o rap
e a música do mundo, da arte urbana,
performances , instalações e debates
sobre a cultura e a cidade. Com lota-
ção de cinco mil pessoas por dia, os
bilhetes para amanhã e sábado, que
têm os nomes internacionais mais
sonantes, esgotaram num ápice.
Amanhã estreia-se em Portugal
Common, o oscarizado rapper de
Chicago outrora conhecido como
Common Sense. É também dia de
Large Professor, rapper e produtor
nova-iorquino e membro fundador
dos Main Source. Jay Electronica, que
há mais de dez anos é uma promessa
por cumprir plenamente no rap, é
uma das atracções de sábado. Tem
vários singles lançados ao longo dos
anos mas o primeiro disco propria-
mente dito teima em chegar. Um dos
seus companheiros de armas é o pro-
dutor Just Blaze, cujo longo currículo
inclui, a meias com Kanye West, a
produção de Blueprint de Jay-Z e
outros clássicos assinados que vão de
Common, Jay Electronica,
Just Blaze e o mundo: está aí
a quarta edição do Iminente
Freeway a Cam’Ron, passando por
Mariah Carey, Beyoncé, Rick Ross ou
T.I. com Rihanna.
Amanhã, outros nomes deste car-
taz multicultural incluem o cubano
Kumar, as irmãs israelitas A-WA, a
cabo-verdiana Mayra Andrade ou o
sírio Rizan Said e o brasileiro Vinicius
Terra, no sábado. No domingo esta-
rão o argelino Mohamed Lamouri, o
moçambicano TRKZ, os cabo-verdia-
nos Bulimundo ou as brasileiras Linn
da Quebrada e Badsista. Em termos
nacionais, passarão hoje por Monsan-
to Vado Más Qui As, Deau, Kappa
Jotta, Rafa G, Holly Hood, Scúru
Fitchádu, Força Suprema ou Apollo
G e amanhá Pedro Mafama, David
Bruno — no dia em que sai o novo
Miramar Confidencial —, A Nossa
Cena, dupla de DJ Kronic e DJ Kwan
com Sir Scratch como MC, Shaka Lion
ou DJ Firmeza. No sábado há espaço
para Mynda Guevara, Fred, Filho da
Mãe, Dealema, Omiri, L-Ali, Papillon,
Classe Crua, o duo que une Sam The
Kid a Beware Jack, e DJ Nigga Fox com
DJ Marfox, enquanto no domingo,
que fecha mais cedo, poderá ouvir-se
Fado Bicha, Cachupa Psicadélica,
Sreya, Beatbombers ou Blackoyote.
Este ano, entre os artistas com
intervenções no espaço, contam-se
Abdel Queta Tavares, Sosek, Kaur,
Coax e Thiago Neves, bem como os
portugueses AkaCorleone, Ana Ara-
gão, Blac Dwelle, Colectivo Rua, Fran-
cisco Vidal, Gonçalo Barreiros, Her-
berto Smith, Maria Imaginário, Rita
RA, Sara Morais, Tamara Alves e
Thunders Crew, além do próprio
Vhils. Haverá performances de Maria-
na Barros, Melissa Rodrigues, Orchia-
dacae e Odete, além de uma battle de
b-boys.
Primeira edição do Iminente no Panorâmico de Monsanto em 2018
DANIEL ROCHA