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cotidiano
B4 Terça-Feira,10DeSeTembroDe2 019
Duas crianças pequenas che-
gamàportaria de um prédio
declassemédiaaltaemSal-
vador nos anos 1970 .Umme-
nino branco, morador do pré-
dio,vem acompanhado de seu
coleguinhanegro parabrincar
emcasa.Oporteiro—negro—
pede desculpas, masacrian-
çanegradeverásubir pelo ele-
vadordeserviço. Sem se dar
contadodescalabro eacostu-
madoscomasituação,fazem
uma aposta paraver quemche-
ga primeironoapartamento.
Detalhe:oconvíviodeam-
bossóerapossível porque a
escola em queestudavam ti-
nhacotasgratuitas paracri-
anças pobres—decisão dos
jesuítas queadirigiam.Esse
éorelatodeumfilósofoque
hojelutacontraoracismo.
NasciemSão Pauloenun-
cavivi nadaparecidocomis-
so em minha infância, pois não
tiveamigos negros na escola,
noclube,narua.
Se vocêpegaralinha 4 -ama-
rela do metrôemdireçãoao
centro, vaisedepararcomo
contrasteentreabelezadas
estaçõeseoentorno daregião
da Luz.Você teráasensação
de que passou por alguma al-
fândega sem perceber.Éavia-
gemdeumpaís limpo,seguro,
comgentesaudávelebemves-
tidaemdireçãoauma cidade
decadente, imundaeperigosa.
Seguindopela rua Mauá
encontraráum antigohotel
abandonado,ocupado há mais
de 12 anos porfamílias pobres.
Se tiverconhecidos lá, poderá
entrareconversarcom pessoas
que vivem uma vida surreal.
NaOcupação Mauá, os ci-
dadãos se organizam,cui-
dam dos filhos, trabalham,
estudam,fazemarteelutam
contraoriscoiminentedeper-
derem suascasas, seusbens
edeveremafamílianarua
da noiteparaodia. Quando
asreintegrações de posse são
feitas, as criançasperdemo
acessoàescola que frequenta-
vam, ao tratamentoquefazi-
am no postodesaúde, aos ami-
gosque tinham. Os moradores
não se vitimizam, eles lutam
parater onde morar.
Há iniciativas quetentam
atravessaromuroentre os di-
ferentes países nos quais vi-
vemos. Uma amiga mecon-
ta que seusnetos estudamno
Instituto Acaia,uma escola
comperíodo integral, de al-
tíssimo níveleducacional
no “chantilly” dazonaoeste.
Qualquerfamíliade classe
média altaemSãoPaulo po-
de imaginarocusto estratos-
férico de um serviçodesses. No
entanto, trata-se de uma ins-
tituição cujosalunos são cri-
anças pobres, de maioria ne-
graeparda(comoéapopu-
lação brasileira) inteiramen-
te gratuita, criada pela artista
plásticaElisa Bracher,queco-
meçouoferecendouma oficina
de artes paracriançassocial-
mentecarentes. Como erade
se desejar,muitos professores
também são negrosepardos.
Recentementeessainstitui-
çãoabriu algumas poucasva-
gas paracriançaspagantes,
ampliandooespectro derepre-
sentatividade da população no
seu quadrodiscente. Nãoexis-
te situação mais privilegiada
doqueuma criançareceber
educação de altíssimo nívelfo-
ra da bolhabrancadeSão Pau-
lo —seja ela brancaounegra,
ambastêmaganhar.Mas se
assumirmos queboa educa-
çãodeveria ser para todos,en-
tão, trata-se de direito. Omes-
movale paramoradia, saúde
esegurança.Obrasileirorico
nãodeve tervergonha do que
eletem, mas de não criarcon-
dições paraquetodostenham.
Afinal, quefantasia insis-
tenteéessa deque secome-
çarmosapensar nos demais
seremos tragados paraoter-
rível mundodos despossuídos
—que passouaatender pe-
lo nome de“vai praCuba ou
Venezuela”? Nãoéomedode
perder direitos, mas de per-
derprivilégios, aquilo que se
tememdetrimentodooutro,
nacondição de deixaroou-
trosem.Trata-se decontinu-
armos indo sozinhos no ele-
vador social, semadesculpa
de sermos crianças.
obrasileiroriconão devetervergonha do quetem
- Vera Iaconelli
DiretoradoinstitutoGerar,autorade“omal-estar na maternidade”.Édoutoraempsicologia pelaUSP
Qualaescola dos mais privilegiados?
|dom.Antonio Prata|seg.TabataAmaral |ter.VeraIaconelli| qua.Ilona Szabó de Carvalho ,JairoMarques |qui.SérgioRodrigues |sex.TatiBernardi |sáb.OscarVilhena Vieira, LuísFrancisco Carvalho Fº
- DhiegoMaia
sãoPauloAlémdopresiden-
te Jair Bolsonaro(PSL)ede
seuvice, Hamilton Mourão,
apenastrêsdos 22 ministros
dogovernofederaltêmsuas
biografias blindadas na Wiki-
pédia, enciclopédia online es-
critadeformacolaborativa.
Ablindageméfeitaapós lon-
goprocesso de discussão en-
treosmembros da platafor-
maebuscaprotegeratrajetó-
ria de figuras públicas envol-
vidas em polêmicas deatos
devandalismoefakenews.
OministroSergio Mo-
ro(Justiça) estánessa lista.
Eleéalvodesde junho dere-
portagens do siteThe Inter-
cept Brasiledeoutrosve-
ículos, inclusivedaFolha,
queexpuseramasua proximi-
dadecomprocuradores da La-
va Jato ecolocaram em dúvida
asua imparcialidadeenquan-
to juizfederal da operação.
Damares Alves, titularda
pastadaMulher, daFamília e
dos Direitos Humanos,tam-
bémtem esse status.Ela éco-
lecionadorademanifestações
polêmicas,como“meninoves-
te azulemeninavesterosa”.
Oterceiroministro, no en-
tanto, entrou nesse grupo por-
que encampou umaguerra
pessoalcontraaWikipédia.
AbrahamWeintraubfoies-
colhido titular da Educação do
governo deJair Bolsonaro pa-
ra apagaroincêndio deixado
peloseuantecessor, Ricardo
VélezRodríguez.
Weintraub diz nãoconcor-
darcomasua biografia naver-
são lusófona(parafalantes de
língua portuguesa) da enci-
clopédia. Sua páginafoicri-
ada em 8 de abril desteano,
mesmo dia em quefoianun-
ciadoministrodeBolsonaro.
Oministrojápediu em ju-
nho,por meio da assessoria
do Ministério da Educação,
paraque suabiografia na enci-
clopédiafosse apagada.Usou
amesma assessoria paraedi-
tarinformações classifica-
das por elede“equivocadas”
equetêmaintençãodecon-
tribuir para“interpretações
dúbias”.Apósváriastentati-
vasdemodificaçõesdesfei-
tasporeditores da platafor-
ma, ameaçouprocessaraWi-
kipédia naJustiça.
Segundo asregras da enci-
clopédia,edições deconteú-
dosó podem serfeitas se esti-
veremamparadas porfontes
verificáveis,como documen-
tospúblicosereportagens. O
biografado não pode,como
buscouWeintraub,entrar na
própria páginaeapagar infor-
mações reaisejátornadas pú-
blicas, principalmenteasque
manchamaprópria trajetória.
Páginas protegidastêmain-
da maisrestrições. Só podem
sereditadas porvoluntários
queatingiramacategoriade
administradores. Essessupe-
reditorestêmnohistóricoao
menos 2. 000 ediçõesregistra-
daseboareputaçãonacomu-
nidade.Aversão lusófona da
Wikipédiacontacom ao me-
noscemadministradores.
OverbetedeWeintraub diz
queoministronasceu em
1971 ,épaulistanoeformado
emeconomia.Também in-
forma que eleéprofessor da
Unifesp (UniversidadeFede-
raldeSãoPaulo)etrabalhou
no mercado financeiro.
Mas não são esses os da-
dos quetêmtiradoosono de
Weintraub.Ememail encami-
nhado por sua assessoriaàWi-
kipédiaeaoqual aFolhate-
veacesso,oministroquesti-
ona dois pontos de seu perfil:
os cortes nosrecursos das uni-
versidadeseinformações so-
bresuavida pessoal.
Weintraub negaterfeito
cortes no orçamentodas uni-
versidades, uma medida que
inicialmente atingiria as ins-
tituições quesófaziam “bal-
búrdia”. Para oministro,hou-
ve umcontingenciamentodas
despesas discricionárias(que
exclui salários, porexemplo)
—uma espécie de bloqueio.A
Wikipédia mantémotermo
“cortes” edeuafonte:como é
utilizado pela mídia brasileira.
Já sobreasua vida pessoal, o
Weintraub usa MEC
paratravarguerra
contraaWikipédia
ministroestáinsatisfeitocom informações sobrecortes
em universidadesesua vida pessoal em seu verbete
ministronão esclarece oque o
incomoda.Apágina diz queele
foiacusadodenepotismo ao
assumircargodeprofessor da
Unifesp,ondetambém estão a
sua mulhereoseu irmão.Em
entrevistas,oministrodisse
tersido aprovado noconcur-
so porque “outroscandidatos
não apareceram no dia”.
Outrofatorelatadoéaten-
tativadeinterdição judicial
do próprio pai,opsiquiatra
MauroWeintraub, em 2011.
Maurofoi perseguido pela
ditaduramilitareéautor do
livro“SonhoseSombras:aRe-
alidade da Maconha”, quede-
fendeuadescriminalização
da maconha no início dos
anos 1980 .Opedidodeinter-
dição de Maurofoi indeferi-
do porfaltadesubsídios, se-
gundoaJustiça.
FoiRodrigoPadula, 37 ,um
dos administradores da Wiki-
pédia, quemrespondeuuma
notificaçãoextrajudicial en-
viada por email no dia 13 de
agostopela assessoria do mi-
nistério.Odocumentodiz
quecomarestriçãodeaces-
soàediçãodesuapágina,o
ministroficou“incapacitado
deexerceroseu direitoàam-
pla defesaeaocontraditório”.
“O Ministério da Educação
aguardaum posicionamento
sobreopedido, dentrodopra-
zo de cincodias dorecebimen-
to deste,sendooseu silêncio
tomadocomorecusa ematen-
der ao presentepleito, ense-
jandoaadoção das medidas
judiciaiscabíveis”.
“O ministrocometeu erros
graves: usoudeforma indevi-
daaassessoria do MECpara
uma demanda de cunho pes-
soal.Numa ‘carteirada’clara,
tentou nos intimidar porque
estáinsatisfeitocomoseu ar-
tigo”,diz Padula.
Narespostaao emaildo
MEC, Padula ofereceu um trei-
namentoparaorientaraequi-
pe do ministério sobreasre-
gras da Wikipédia, mas não
foiatendidoatéagora.Padu-
la diz que ainda nãorecebeu
nenhuma notificação judicial.
Agora,ocasoganhou outra
dimensão.Odeputado Marce-
lo Freixo(PSOL) enviouum
requerimentoaoMECque
questionaouso da assesso-
ria do ministério pararesolver
questõesdeinteresse pessoal
deWeintraubnaWikipédia.
“Issoégrave, nãoérepubli-
canoenão estáàalturadeum
cargocomo ministrodaEdu-
caçãoalguémtãoraso,alguém
cominiciativastãopequenas”,
disseFreixo no plenáriodaCâ-
maranasemana passada.
Oministroterá 30 dias para
responder aorequerimento.
SegundoPadula,compor-
tamentoscomoodominis-
trosãocontraproducentes.
“A caba espantandootraba-
lho de nossoseditores, que
sãovoluntáriosevão pensar
duasvezesemeditar artigos
de pessoas públicas”,afirma.
AFolhaprocurouWein-
traub por uma semana, mas
não obteveresposta.
Vereador de 57 anoséassassinado
atiros na região dosLagos, noRJ
sãoPauloOvereadorCiraldo
FernandesdaSilva(DEM),
57 ,foi mortoatiros na noite
de domingo ( 8 )emArarua-
ma, cidade daregiãodos La-
gos, noRio deJaneiro.
Avítimafoiatingida pordi-
versos disparos de armade
fogono bairroFazendinha.
Um inquéritobuscasa-
ber quematirou novere-
ador.Namadrugada des-
ta segunda ( 9 ),aDelegacia
de Araruama divulgou em
sua páginanas redes sociais
umcartaz pedindoinforma-
ções que pudessemcolabo-
rarcomaidentificação dos
criminosos.
Ciraldofoi oterceirovere-
adormaisvotado de Ararua-
ma em 2016 ,com 1. 904 votos.
Unimedfazfesta com cenário de
favela egerapolêmicanainternet
salvadorComroupa degar-
çom, um homem negrofaz
um churrascoemcima de
um simulacrodelaje. Rou-
pas penduradas em umva-
raleaté fios enroladosjun-
to aumposterepresentando
uma ligação ilegal de ener-
giacompletamapaisagem.
Ocenáriofezparte da de-
coraçãodeumafestados
médicoscooperados da Uni-
medemSãoJosé do RioPre-
to (a 438 km de SP).Acon-
fraternização, que aconte-
ceunanoitedesexta ( 6 ), te-
vecomotema “NoPaís das
Maravilhas”etevediferen-
tescenários.
Vídeos dafestaemredes
sociaisgeraramcríticas de
pessoasque viram nocená-
rio preconceitoouinsensibi-
lidadecomosmoradores de
comunidades pobres.
Uma das pessoas quecom-
partilhouovídeo, adepu-
tadafederalSâmiaBonfim
(PSOL)classificouadecora-
çãodafestadaUnimedco-
mo um “debocheàvida nas
favelasenas periferias”.
“Érevoltantequeas pes-
soas nãotenhamomínimo
de bom sensoeempatia ao
fazerdavidadamaioria da
populaçãomotivoparacha-
cota”, disse adeputada.
Asimagensdoeventofo-
ramrecebidascomcríticas
também poroutrosinter-
nautas.“A tender nafave-
la temmuitomédicoque
não quer,mas fazerstories
achandoarepresentação
cênicadafavelaexóticaeles
adoram! Esse povome em-
brulhaoestômago”,escreveu
um deles,JairoGonçalves.
AUnimedSãoJosé do Rio
Pretoinformou queotema
dafesta, “NoPaís das Maravi-
lhas”,tevecomo objetivoes-
tabelecerumparalelo entre
olivrodoescritor Lewis Car-
roll earealidadebrasileira.
“Acenografia doevento
usourecursos lúdicoscoma
intenção de despertarentre
os convidados umareflexão
críticaapartir darepresen-
taçãodeummundo aparen-
tementesem sentido,como
éomundo de Alice.Assim,
oeventodestacouasmara-
vilhas brasileiras sem abrir
mão defazercontundentes
críticas sociais”,informou.
AUnimedafirma ser uma
empresa inclusiva, plural e
comprometida empromo-
veradiversidade emtodos
os seus projetos.
João PedroPitombo
OministrodaEducação,AbrahamWeintraub RenatoCosta-28.ago.19/FramePhoto/AgênciaOGlobo Cenáriodafesta da Unimed em São José do Rio Preto, no
interior deSP, que simulauma favela Reprodução/Instagram