CARTA
DE EXAME
“Antes cair das nuvens que de um terceiro andar”, já dizia o
personagem Brás Cubas, de Machado de Assis. Para a Microsoft,
está valendo o reverso: é melhor subir às nuvens do que a um 20o
andar. A aposta na computação em nuvem levou a empresa à
ressurreição. Não que estivesse morta; mas era considerada uma
“vaca leiteira”, aquela da qual se extrai o leite enquanto leite hou-
ver. Agora, não. Já há algum tempo os analistas advertiam que
não se podia descartar a Microsoft do clube das empresas que vão
dominar o futuro. Pois o prognóstico se realizou: ela é, novamen-
te, a companhia mais valiosa do mundo.
Pisar nas nuvens foi apenas o primeiro passo, uma aposta do
executivo-chefe Satya Nadella. Para fazer justiça, a aposta foi en-
caminhada por seu antecessor, o histriônico Steve Ballmer, mas
ele era incapaz de levá-la a cabo — daí a escolha de Nadella, que
já cuidava da divisão de serviços na nuvem da empresa. O dilema
era abandonar a monstruosa receita advinda do pacote Office (a
vaca leiteira, e sagrada). A Microsoft tomou a corajosa decisão de
transformar em serviço — nas nuvens — o que era produto, acei-
tando perdas de receita no curto prazo para brigar por receitas
maiores no futuro. E o futuro chegou mais rápido do que se previa.
O segundo passo foi entrar na briga da inteligência artificial;
o terceiro, ainda em implementação, recuperar o charme do
hard ware, com investimento em estilo capaz de competir (ul-
trapassar, dizem alguns críticos) com a excelência da Apple. A
gestão de Nadella tem resultados impecáveis para mostrar: no
início de 2014, assumiu uma empresa que valia cerca de 290
bilhões de dólares. Cinco anos depois, ela vale mais de 850 bi-
lhões de dólares, praticamente o triplo.
A lição que se pode extrair da revolução da Microsoft é bem
mais geral do que preceitos de gestão. E é, basicamente, que der-
rota não é destino. A Microsoft perdeu o bonde da internet; e de-
pois perdeu o bonde da mobilidade. Foi quase patético o espetá-
culo comandado por Ballmer, de colocar a empresa inteira para
correr atrás dos vagões que aceleravam à sua frente. O que Nadella
fez foi reagrupar a empresa e preparar-se para tomar o próximo
bonde. De preferência, no primeiro vagão. E na janelinha.
A reviravolta lembra a história da IBM, nos anos 90, quando foi
tornada irrelevante pela própria Microsoft no mercado de com-
putadores e soube se reinventar como consultoria e prestadora
de serviços. Num caso, o líder foi alguém de fora (Louis Gerstner);
no outro, uma prata da casa. Um buscou ideias novas; o outro li-
derou o que chama de retorno à essência da companhia. O que
havia em comum, nas duas situações, era um enorme manancial
de talentos humanos, carente apenas de direção e motivação.
E está aí o cerne da mensagem que o sucesso da Microsoft pode
transmitir, tanto para nossa vida pessoal quanto para a empresa
ou o país que construímos: quem investe no talento, na capaci-
dade humana, sempre tem a chance de pegar o próximo bonde.
Perdeu? Pegue o próximo
Satya Nadella, entre Bill Gates e Steve Ballmer, quando foi apresentado aos funcionários como CEO
da Microsoft: para a transformação da empresa, ele contou com um enorme manancial de talentos
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