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ilustrada
C8 Sexta-Feira, 23 DeagoStoDe 20 19
Épreciso entender as bases
fundantes doracismo para
compreendermosomodo
pelo qualapopulação negra
étratada no Brasil.
Raçaparaonegroseimpõe,
já odefinindo previamentean-
tesque pudesse se pensarcomli-
berdade. Como dizopsiquiatra
FrantzFanon,onegroésobre-
determinado peloexterior. Ou,
como afirmaofilósofocama-
ronêsAchille Mbembe,épreci-
so debaterainvenção do negro,
quefoimarcadocomo “o ou-
tro”,aquele que nãoéhumano.
Oprocedimentodedefi-
nir alguémcomo “um outro”
chamamos de marcação. Ao
definir esseoutrocomo um
negativo,amarcaçãoéo
verdadeiromalradical no
sentido da aniquilação da
humanidade dessas pessoas.
Em“A CríticadaRazão Ne-
gra”,Mbembe afirma: “Deba-
terarazãonegraé,portan-
to,retomaroconjuntode
disputasacercadasregras de
definição do negro;como o
reconhecemos”.
Esse seria umcaminhopara
rompercom essaconstrução
de um não ser,antítese, pra-
ticando aquilo que Mbembe
chamou de alterocídio,que
consisteem“constituiroou-
tronãocomo semelhanteasi
mesmo,mascomo objetoin-
trinsecamenteameaçador,do
qualépreciso proteger-se, des-
fazer- se, ou destruir (quando
não se podecontrolar)”.
Pensaralterocídio nos di-
as de hoje setornaimportan-
tíssimo paraentendermos as
políticasdeextermíniodapo-
pulação negra,compreender
quemsão aquelesque se deve
controlar ou destruir. No Bra-
sil,temos umataxaaltíssima
de encarceramentoemmas-
saedeassassinatos de jovens
negros. Conseguimosver,en-
tão, oalterocídio em prática.
Escrevoparaessacoluna
tomada por sentimentos após
acompanhar as notícias deste
país. Como sempre,são majo-
ritariamenteaspessoas negras
quetêmpagoopreçoaltodo
colonialismo,que sereinventa
paraseguiremcurso no pa-
ís dascapitanias hereditárias.
Segundo levantamentodo
UOL,que cruzou dadosesta-
tísticos do Institutode Segu-
rançaPúblicacomoObserva-
tório da SegurançaRJ, da Uni-
versidadeCândido Mendes,fo-
ram 881 mortesregistradas em
operações policiais no primei-
ro semestre desteano,omaior
númerojáregistrado,sem que
nenhuma delastenha ocorri-
do em áreascontroladas por
milícias.Trata-se de um pro-
jetodepoder em curso,dedo-
minaçãoeconquistadeoutras
áreasedetodoopaís.
DyogoCostaXavier de Bri-
to,de 16 anos, morreu por ba-
la de fuzil duranteaoperação
em Niterói.Estavaacaminho
dotreinonoAmérica-RJ,onde
jogava nascategorias de base.
EmBangu, nazona oestedo
Rio de Janeiro, MargarethTei-
xeira, de 17 anos,foimortase-
gurando seu bebê, que levou
um tiroderaspãoapós uma
operação policial.
Em abril, 80 tirosforamdis-
paradoscontraocarroocupa-
do por EvaldoRosa dosSantos
eLuciano Macedo.Segundo as
viúvasdeambos, após os dispa-
ros, policiais debocharam dos
pedidos de socorro. Atualmente
os autores estão soltos por or-
dem do SuperiorTribunal Mili-
tar, que passouajulgar crimes
dolososcontraavidacometi-
dospor militarescontracivis,
mais uma jabuticaba desse pa-
ís em vigor após aprovação de
uma lei docontestadogoverno
de MichelTemer —um sujeito
que deveria amargaromaior
ostracismo por tudo querepre-
sentou emtermos de atraso e
violação dosdireitos humanos.
Não sei que lição tiraremos
disso.Minha impressãoéque
opaísfoiàstraçasehádevas-
taçãoemnome do ódiofomen-
tado por ideologiasracistasre-
verberadaseimplementadas.
Talvez opaís devaatingir o
fundo do poço—que aindafi-
cará muito maisfundo do que
agora, infelizmente— paraa
populaçãobrasileiracair em
si de queestásendoestraça-
lhada em seus direitos, na sua
qualidadede vida.
Um fundo do poçoparaacor-
dar osveículos decomunica-
çãoesegmentosconservado-
resque entraram novale-tudo
após perderem sucessivas elei-
ções; um choque no próprio
campo progressistaincapaz
de quebraraburocraciaeo
pactonarcísicodabranqui-
tude em que estáencastelado.
Que algum dia, quem sabe em
breve, mais pessoas despertem
paraatragédia queestáemcur-
so nestepaís e, então,tomem
ruas, entrememgrevespor mais
de um dia, parem as escolas
euniversidades.Que ocolapso
chegueasenhorescoloniaisdos
microemacropodereseuma
reação emcadeia anuncieno-
vosparâmetros de dignidade.
Penso isso pois mantenho
aesperançapor dias melho-
res, afénotrabalho de base e
nas lições quepassaremos às
próximasgerações.Otempo
éoagoraeagoraopaís está
sob um ataqueviolentoeemi-
nente porgrupos queodeiam
opaís.Éhoradedespertar.
- Djamila Ribeiro
Mestreemfilosofia política pelaUnifespecoordenadoradacoleçãodelivrosFeminismos Plurais
opaís estásob um ataque violentoeeminentedegrupos queoodeiam
Aqueles que se devemdestruir
Linoca Souza
|DOM.FernandaTo rres, DrauzioVarella |SEG.LuizFelipe Pondé |TER.João PereiraCoutinho |QUA.Marcelo Coelho |QUI.Contardo Calligaris |SEX.DjamilaRibeiro|SÁB.MarioSergio Conti