Folha de São Paulo - 21.08.2019

(Steven Felgate) #1

aeee


ilustrada


C6 Quarta-Feira,21DeagostoDe2 019


Como na maioria dos shows
de stand-up,oconteúdoépre-


visível: as agruras de umre-
cém-casado,osdesencontros
do turismo,avergonha alheia
commembrosdafamília.
Masopiauiense Whin-
derssonNunes mostraque
nãoéumcomediante comum,


no seu show“Adulto”,agora
disponível na Netflix.
Whinderssonéacelebridade
mais desconhecida do Brasil.
Entremeus amigos, ninguém


sabe quem ele é. Mas sevocêsair
de suaroda habitual,todo mun-
do acompanhanoYouTube
asconfidências, palhaçadas,
reflexões ecantoriasdogaroto.
Eletem 24 anos, nasceuem
Palmeira do Piauí, uma cida-
decompoucomais de 5. 000
habitantes,aoitohoras de
carrodeTeresina.
FoideBom Jesus, uma ci-
dadeum poucomaior ( 25 mil
habitantes)eumpoucomais
longe(dezhoras atéacapi-

taldoestado),que Whinders-
soncomeçouamandar seus
vídeoshumorísticos, grava-
dos num quarto paupérrimo.
Ele estourou em 2012 ;hoje,
seusvídeossuperamumtotal
de 2 bilhões(com “b” mesmo)
noYouTube. Docanal de inter-
net,ele passouparaopalco
ejáseapresentou para brasi-
leiros nosEstadosUnidos,na
Bélgica, noReino Unido,na
AlemanhaenoJapão.
“Em qualquer lugar quevo-

cê vai, tembrasileiro”,diz ele
no stand-up da Netflix,gra-
vado numcentroesportivo
emFortaleza.Aplateia aplau-
deeassobia. Aparentemen-
te,aemigração denossos
desempregadoséumarazão
de orgulhonacional.
Um dos segredos do suces-
so deWhinderssontalvezes-
teja nessaambiguidade. Ele
abordacomtalentoastriste-
zaseosridículosdequem,co-
mo ele, semprefoi bempobre.

Miserável, não.Mas pobre
mesmo. Claroque, hoje, Whin-
dersson estáriquíssimo;com-
prou um jatinho parasuas
turnêsenãofazsegredo disso.
Só que,como ele diz no show,
ficou milionário depressa de-
mais. Sua almaaindaédeclasse
baixa,eWhindersson tiradesse
contrastequasetodaamatéria-
prima de suas apresentações.
Ei-lo em outropaís, num ho-
teldealtoluxo. Recebe umre-
cado no quarto. ONeymar es-
tá hospedado nomesmo hotel
eoconvidouparaumjantar.
Whindersson nãoreageco-
mo umacelebridade,masco-
moomaiscomum de seusfãs.
“Eu?ONeymar?” Norestau-
rante, ele passa apertos. Não
sabefalar inglês, masvê os pre-
çosdecada prato... Seguem-se
boasesingelas brincadeiras.
Éopobre arremessadoaum
mundomilionário.
Whinderssontemumgrande
talento paraaimitação.Mas não
imita,aoque eu saiba, políticos
oucelebridades.Ofortedele é
imitar pessoascomuns,como
porexemplooamiguinhofranzi-
no que apanhava na escola ou o
tio sertanejocomendocamarão.
Um de seusmelhoresperso-
nagenséomenino Gerald, cri-
ançamimadaebirrentaque
desafia as inócuasrecrimina-
ções de sua mãe grã-fina. O
contrasteécomamãe do mole-
que pobre,rápida na pancada,
no xingamento enobeliscão.
Eisadiferençadeclasses apre-
sentada deforma benigna,tole-
ranteefeliz.Ecrítica,também. A
ambiguidadeéaguda, mas serve
parafazercócegas no público.
Aascensão social de Whin-
dersson não significou, na
imagem que ele projeta, ne-

nhuma traição de classe.
Ele ficaindignadocomopreço
cobrado pelas flores que decora-
ramsuacerimônia decasamen-
to.Mas não porque muitagen-
te passa necessidadeenquanto
os ricos desperdiçam dinheiro.
OespantodeWhindersson nas-
ce de sua inadaptação pessoal
aos novospadrões de despesa.
Écomoseelefalassedeumpaís
diferente, onde os hábitos
sãooutros; suaspiadas po-
deriam serarespeitodari-
gidezdosalemãesoudapo-
se dos argentinos. Muitomais
sucesso,claro, pode vir de brin-
cadeiras sobreaalienaçãoeo
tédio dos ricos brasileiros.
Claroque, nos anosLula, os
pobres deixaram de sertãopo-
bres. Em escalaincomparavel-
mentemais modesta, muitos
brasileirosviveramaexperiên-
ciaascensionaldeWhinders-
son: passaramacomemorar
aniversário emchurrascaria
eaentrar em avião.
Adiferençadeclassesseman-
teve,emesmo se acentuou,com
asfarras do mercado finan-
ceiro. Ohumor de Whinders-
son Nunes não ignoraofato.
Simplesmentedeixadetratá-
lo como um problema.
Asdiferenças são de hábito,
decomportamento, de cultura.
Oqueéverdade,emparte.Arenda
não define sozinhaumacondi-
çãodeclasse. Mas Whindersson
nãofala de pobresericosem
abstrato. Fala do “brasileiro
pobre”edo“brasileirorico”.
Nessa visão,oBrasil unifica
pobrezaeluxonum divertido
baião-de-dois.Tembrasileiro
emtodo lugar! No altoeembai-
xo!Opúblicoaplaude; do alto
do meu andar, enquantoisso,
ninguém sabe queméessecara.


  • MarceloCoelho


MembrodoConselhoeditorial daFolha,autor dosromances‘JantandocomMelvin’e‘Noturno’.Émestreemsociologia pelausP


Na Netflix,stand-up do humoristafaz graça das desigualdades sociais


Obaião-de-dois de Whindersson Nunes


AndréStefanini


|DOM.FernandaTorres, DrauzioVarella|SEG.Luiz Felipe Pondé|TER.João Pereira Coutinho|QUA.Marcelo Coelho|QUI.Contardo Calligaris|SEX.Djamila Ribeiro |SÁB.Mario Sergio Conti



  • ClaraBalbi


SãOPAUlOMesmotendocha-
madoaexposição quemon-
tounaCasa Modernista, nazo-
na sul da cidade, de “Sotaques
Paulistanos daBauhaus”,ofo-
tógrafoLeonardo Finotti afir-
ma que os prédios imponen-
tesqueretrataali não sãoexa-
tamenteherdeiros da escola
de design alemã. Hácemanos,
elarevolucionouodesignea
arquiteturaaoprescreverli-
nhas simpleseretas, além de
formas aliadasàfunção.
“Sóaprimeirasalaémais
Bauhaus”,diz oartista, apon-
tando paraasduas imagens
que ocupam um lobbyama-
relo.“Nofundo, aBauhaus é
apenas mais uma manifes-
taçãodomovimentomo-
derno,comoforamosupre-
matismorusso ouoholan-
dêsDeStijl. Queria entender
como issoreverberaaqui.”
Nãoàtoa,amostraocupa
aprimeiraconstrução mo-
dernistadopaís. Erguida em
1927 pelo ucraniano Grego-
ri Warchavchik,acasa pas-
sou por maus bocadosnos
últimos anos —no ano pas-
sado,ojornal Agorarelatou
quetantoapinturadas pare-
des quantoospisos estavam
desgastados pelo tempoeque
haviaferrugem nas janelas.
Nãoéocaso hoje,embora
aconstrução permaneça va-
zia, sem os móveis originais,


seu jardim esteja descaracte-
rizadoeacasa anexa, antes
uma área de lazer,emruínas.
Diretor do Museu da Cidade,
órgãodaprefeituraresponsá-
velpelo imóvel, MarcosCar-
tumafirma que aguardaali-
beraçãoderecursos paraexe-
cutar um projeto derequalifi-
caçãodacasa, já aprovado pe-
los órgãos de defesa do patri-
mônio histórico. “Ela estáes-
perandoser cuidadadafor-
ma que merece”,diz Cartum.
Inaugurada em paraleloàfei-
ra SP-Arte/Foto, quecomeça
agoranoshopping JK Iguatemi,
aexposiçãoé,assim, umaten-
tativadehabitaracasavazia.
Levando isso emconside-
ração, MichelleJean de Cas-
tro, que cuidou da montagem,
pensou numa maneiradeexi-
bir asfotografias que dispen-
sa pregoseparafusosouuma
iluminaçãoespecializada.
Namaioriadoscasos,isso
setraduziu emescoras,pe-
çasusadas naconstrução ci-
vil para sustentar lajes, aqui
usadasparaamparar asfo-
tografias em pretoebranco.
Em outros, porém, as
imagens dialogam de ma-
neiramais diretacom a
arquiteturadeWarchavchik.
Umafotografia da passare-
la arborizada do parque da
Juventudesefunde ao jardim
dacasa, pendurada em fren-
te auma janela. Colado aote-
to,umregistrodas colunas do

Primeira casa


modernaganha


um sopro de vida


com fotografias


exposição que dialogacomas salas da


Casa Modernistaregistraícones dessa


vanguarda arquitetônica em sãoPaulo


No alto, SescPompeia; acima, bancoSafra, na Paulista Leonardo Finotti/Divulgação

SescPompeiaforçamosvisi-
tantesaolhar paracima. Ima-
gens aéreas, como uma do jar-
dim de Burle Marx no prédio
do bancoSafra, naavenida
Paulista, são mostradas em
caixotes próximos do chão,
paraque os espectadoresex-
perimentemopontodevis-
ta dosdronesedos pássaros.
Além disso,as legendas
dasfotosnão apresentam os
autores originaisdos pro-
jetos arquitetônicos, lista
quevaideOscar Niemeyera
LinaBo Bardi, de Burle Marx
aPaulo Mendes daRocha.
Emvezdisso,elas identi-
ficam nomes de elementos
recorrentesnasconstruções
modernistas da cidade,como
passarelas, marquisesebrises.
Elementos que, argumenta
Finotti, arquitetodeforma-
ção,fazeminclusivemais
sentido no Brasil, ondefazsol
oanointeiro,doque na Euro-
pa, ondeomovimento ganhou
corpo na década de 1920.
Mesmocompondo uma
verdadeiraodeaessemoder-
nismo brasileiro—quetem
seusexemplares mais impor-
tantesconcentrados na uto-
pia de Brasíliaenobrutalis-
mo deSãoPaulo,segundo o
fotógrafo—algumas das ima-
gensda mostra acabam por
revelaroestado decadentede
algumasdessasconstruções.
Nesse sentido,agaragemde
barcosdoIateClubedeSanta
Paula, em Interlagos, projeta-
da por Vilanova Artigas,éum
doscasos maisemblemáticos.
Aobraestácobertadepicha-
ções efoi invadida pelo mato.
Amarquise do parque Ibirapu-
eradeOscar Niemeyer, em óti-
mo estado no clique de Finotti
de 2013 ,éoutraque ofotógrafo
dizestar em estado deatenção.
Hácercade 15 anosregis-
trando obras de arquitetos
brasileiros,oartistaconta
quecomeçouotrabalho em
parteparapreservaressepe-
da çodahistória do país. “O
que diferenciaumlugar de-
senvolvidoeumsubdesen-
volvidoéamemória”, afirma.
Leonardo Finotti
Casa Modernista -r.santa Cruz,
325,VilaMariana.ter. adom., 9h
às 17h.até29/3/2020. grátis

DIGA XIS
Veja mostras
fotográficas que
agitamacidade

SP-Arte/Foto
Afeiradefoto-
grafia chegaà
sua 13ª edição
no shopping
JK Iguatemi
(av. Pres. Jus-
celinoKubits-
chek,2.041,
VilaNovaCon-
ceição)com 33
galerias; entre
os destaques
estão os autor-
retratoscolo-
ridos da ame-
ricanaFran-
cesca Wood-
man,expos-
tospelaMen-
desWood DM

Man Ray
Retrospectiva
no CCBB
(r.Álvares
Penteado,
112,centro)
reúne mais de
250 obras do
surrealista

Wrong SoWell
Carlos Moreira
temacarreira
revisitada em
400 imagens
na mostrado
EspaçoPorto
Seguro(al.Br.
de Piracicaba,
610, Campos
Elíseos)

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Retratos[e
Paisagens]
Exposição
do paraense
Luiz Braga
reúneretratos
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AD (av. Valde-
marFerreira,
130, Butantã)
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