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Dentro delahavia umanotade 500francos,
um dinheirãona época.Fecheiotesouro,le-
vantei-meefui àpoltronado doutorRober-
to paradevolver-lheseu pertence.
Elese levantou ao me ver,remexendo
numbolsoda calçaaprocurade algo.
Quandolhe dei acarteira,explicandooque
havia acontecido,ficoufeliz.Estava mesmo
aflitocomaquilo.Abriu,conferiuoconteú-
do emedirigiumaisduaspalavras:
—Muitoobrigado.
Foiassimquedei umapolpudagorjeta ao
doutor Roberto,talvez pelos bonsserviços
queme prestaraem situaçãotão especial.
“Istonão podeestar acontecendo”,pensei de
novo.Odoutor Robertocomeçou afolhear
umarevista e, quandooaviãofinalmentesu-
biu,botouumamáscara nosolhosparaen-
frentar osol do voodiurno.Láembaixo su-
cediam-seimagensmulticoloridasdacam-
pagne francesa,eocomandanteanunciou,
solene,que estávamossobrevoandoafabulo-
sa Catedral de Chartres. Eu tomava umataça
do champanheVeuve Clicquot,safrade 1965,
quandochegouograndemomento: ultra-
passaríamosabarreira do som.
As bolinhasdo champanheflutuavam em
minhataçaquandooConcorde (“PorDeus!
Nósofaremos”,havia jurado ogeneral De
Gaulle),em seisminutos,subiude 10 para
18.000metrosesua velocidadesaltou de 900
para 2.100 quilômetros porhora. Espetacu-
lar,levandoem conta quenada tremeu,não
se ouviunenhum barulho anão ser odegelo
tilintandonoscoposeseu Victoreodoutor
Robertocochilavam.Acurva da Terraapare-
ceu alémdo horizonte de minhajanela.
Masnão nas deles,ondeas cortinasesta-
vamabaixadas.Ambostomavamáguaquan-
do oalmoçocomeçouaser servido,earepas
se estenderiapelorestodo dia.Eu me regala-
va, entre outrospratos,comumacailleau
geléede chevassu(codorna)esorvia umvi-
nhoChateauPichonLalande,safrade 1970.
Eaquedelíciasestariamse entregando
meusilustrescolaboradores? Levantei e
olhei paratrás,na sempre miserável com-
pulsãode repórterde quererapurar.Eles to-
mavamsopa.Emseguida,recolocaramsuas
máscarasedormiram.
N
uncamaisvi odoutorRobertonemvia-
jei outravez comele, desdequedesceu
na escalano Riode Janeiro.Seu Victorcon-
tinuourepousandode máscara numoutro
avião atéSão Paulo.Encontrei-odiasdepois
numcorredorda EditoraAbril, antes de en-
tregarminhareportagemsobreovoo,eper-
guntei-lheoque havia achadoda experiên-
cia.Ele fez umar de quemnãolembrava
direito.Mas dissequeficariacalado:
—Não gosto de influenciarmeusre-
pórteres.
Lembro-medelescomcarinho.En-
quanto atravessavaumoceanoembriagan-
do-mede vinho evisões, olhava minhaba-
gagemde mãoemsegurança,graçasa
meusajudantes, quedormiamosonodos
justos,comsuamissãocumprida.Pensei
umaúltimavez: “Isso nãopodeestar acon-
tecendo”.Masaconteceu.
Foinum tempo em quepatrõeseramgen-
tis comseusempregados,emque se podia
fumarabordoeemque se comprava quin-
quilharias erevistasescondidas.Umtempo
tão antigoeperdidoem que,acreditem,atéo
Concordevoava de Paris paraoRio.
NOTASSUPERSÔNICAS
ARQUIVO/AGÊNCIAOGLOBO
GeraldoMayrink(1942-2009) foi jornalista eescritor.
GustavoMayrink, seu filho, preparaagora
um livro de memóriaseumsite com alongeva
produçãojornalísticaeliterária do pai
RobertoMarinho,
na Placedela
Concorde em 1956,
numa de suas
muitas visitasaParis