National Geographic - Portugal - Edição 227 (2020-02)

(Antfer) #1

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COMECEI A MINHA JORNADA em Hanói, mais de
trezentos quilómetros a sudeste. Num mercado
perto do meu antigo apartamento, comprei seis
vagens de cardamomo negro por nove mil dong, ou
seja, 34 cêntimos. Tinham aproximadamente o
dobro do comprimento das suas primas verdes, do
tamanho de uma unha, de uso generalizado na culi-
nária indiana, e emanavam um aroma intensa-
mente fumado e frutado.
O cardamomo negro, conhecido como thao qua,
cresce junto do leito dos rios em florestas de alti-
tude, sob as copas de árvores altas. É utilizado como
especiaria seca na pho, a sopa de massa vietnamita,
e noutros pratos populares. Trinh Thi Quyen, o
comerciante que me vendeu as vagens, explicou-
-me que o sabor fumado do thao qua complementa
a canela e o anis estrelado, os outros ingredientes
habituais da mistura de especiarias da pho.
No Ocidente, o thao qua tem menos mercado
do que o cardamomo verde: é vendido sobretudo
a intermediários chineses e utilizado na medicina
tradicional como tratamento para a obstipação e
outras maleitas. Ao longo dos anos, a crescente
procura chinesa transformou Sa Pa num impor-
tante entreposto comercial do cardamomo negro.
Nessa noite, embarquei num comboio em
Hanói rumo a noroeste, com destino à fronteira
chinesa. Na manhã seguinte, ao chegar à cidade
fronteiriça vietnamita de Lao Cai, apanhei um
táxi e fiz uma viagem de uma hora para oeste, até
Sa Pa, onde me encontrei com Lang para beber
um café. De seguida, virámos a esquina e fomos
a um armazém de cardamomo, onde os trabalha-
dores escolhiam vagens acabadas de colher, alu-
miados por uma simples lâmpada incandescente.
No armazém, o negócio parecia florescente.
Com intervalos de poucos minutos, aparecia
um agricultor numa moto carregada com sacas
cheias de thao qua. A dona do armazém, Nguyen
Thi Hue, pagava-lhe, imediatamente, com notas
retiradas de um maço grosso. Vi muitos milhares
de vagens à espera de escolha. Uma frota de car-
rinhas estacionara no exterior, aguardando a sua
carga, para depois a transportar até Lao Cai e dali
rumar a norte, atravessando a fronteira.
Hue disse-nos que o preço de compra do thao
qua era actualmente de 4,5 euros por quilograma,
mas que o valor estava sempre a flutuar. Na gera-
ção anterior, os comerciantes de especiarias de Sa
Pa não mantinham este tipo de contacto regular
com os intermediários chineses, acrescentou en-
quanto olhava de relance para o seu iPhone pratea-
do. “Agora é muito mais fácil: basta telefonar-lhes.”


Sa Pa, outrora um refúgio de Verão para funcio-
nários da administração colonial francesa, situa-
-se no meio de arrozais em socalcos ou florestas.
No Vietname, estas terras altas não costumam ser
cultivadas por membros do grupo étnico domi-
nante, mas sim por algumas das 53 minorias étni-
cas oficialmente reconhecidas no país.
Alguns destes grupos cultivavam o ópio como
cultura de subsistência durante a administração
francesa e continuaram a fazê-lo mesmo depois
de o Vietname declarar a independência em 1945
e travar guerras sucessivas contra a França, os Es-
tados Unidos e, mais tarde, a China, que em 1979
invadiu a região setentrional do Vietname duran-
te um breve período.
A família de Lang pertence ao grupo étnico
hmong e vive em Ta Van, uma aldeia nos arredo-
res de Sa Pa que, nos últimos anos, aproveitou o
crescimento explosivo do turismo de caminhada
ocorrido em Sa Pa. No entanto, o cardamomo con-
tinua a ser uma importante fonte de rendimento
para a aldeia. O pai de Lang, Giang, contou-me
que começou a cultivá-lo nas profundezas daqui-
lo que hoje é o Parque Nacional de Hoang Lien,
em 1994, pouco depois de o governo o ter proibi-
do de cultivar o ópio que plantara ali desde o final
da Guerra Americana, em 1975. “Antigamente,
adorava ir para lá”, disse-me, na sua sala de estar.
“Agora, estou sempre a empurrar os meus filhos
para irem cuidar daquilo.”

O PARQUE NACIONAL DE HOANG LIEN, fundado em
2002, é uma das muitas áreas protegidas do Viet-
name onde os grupos étnicos minoritários podem
garantir o sustento cultivando terras do Estado. Em
muitos locais do planeta, torna-se difícil impor
regras de conservação nas áreas protegidas porque
existem muitas comunidades com baixos rendi-
mentos a residir nas redondezas, afirma Pamela
McElwee, autora do livro “Forests Are Gold: Trees,
People, and Environmental Rule in Vietnam” e pro-
fessora associada de Ecologia Humana na Univer-
sidade Rutgers. “Isso não vai acontecer. Por isso, é
preciso recorrer a modelos alternativos”, explicou.
Segundo Pamela McElwee, o “modelo do car-
damomo” – ao abrigo do qual os aldeãos colhem
o thao qua dentro do parque nacional e os vigi-
lantes da natureza fingem, quase sempre, não ver


  • tem resultado bem para ambas as partes. É de
    facto ilegal colher o cardamomo dentro das fron-
    teiras do parque, bem como recolher lenha para
    alimentar as fogueiras que servem para secá-lo.
    No entanto, o abate de florestas inteiras seria mui-

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