Sabor Club - Edição 38 (2020-03)

(Antfer) #1

22 | Sabor. club [ ed. 38 ]


RELAXADO EM SEU RECANTO DE CONTEMPLAÇÃO CRIATIVA NA
montanha, Isaías segura pela base os talos vermelhos da beterraba e a retira da
terra, admirando a hortaliça das folhas à raiz. No mesmo quadro, em segundo
plano, o alho poró abre em leque a folhagem, criando belo contraste que sugere
uma nova ideia para o couvert.
Essa é a narrativa, como num conto, de uma simples manteiga que intriga
e delicia quem a conhece, batida com técnica própria e todas as partes dos
dois vegetais, vinho branco e especiarias colhidas no caminho. Prefácio de um
promissor almoço na serra, e também da história do cozinheiro que faz de uma
admirável horta orgânica seu livro interminável de receitas.
“Os chefs costumam visitar restaurantes para acompanhar as tendências, eu
penso que vivo em outro mundo. Meus passeios são pela horta, é nela que me
inspiro. Olho, cheiro e provo. É onde surgem meus pratos”, diz o chef Isaías
Neries, um baiano de Santo Amaro que encontrou na natureza a sua purificação.
“Minha mãe era rezadeira e adquiri com ela conhecimento e repeito pelas
ervas”, conta. E lembra do dia em que cozinhou para Maria Bethânia, nascida na

mesma cidade, no encontro produzido por uma amiga em comum após um show
da cantora: “Ela falou que tenho as mãos abençoadas”.
Quem já esteve diante de pratos como o tortellini de folha de capuchinha
recheado com tomate confit, finalizado com a tal manteiga de beterraba, há de
concordar. A receita foi uma das selecionadas para o menu dos 15 anos do Parador
Lumiar, um pedaço de paraíso em forma de pousada próximo à Boa Esperança,
em Nova Friburgo, na Serra Fluminense.
É lá que Isaías criou vocabulário próprio e surpreendente na transformação das
hortaliças em pratos de cores e sabores vivos. Há 13 anos, quando ‘farm to table’
ou ‘quilômetro zero’ eram expressões desconhecidas, seu fogão já se postava a 500
metros da senhora horta orgânica do Parador, com cerca de 50 produtos entre
folhas, legumes, raízes, ervas, frutas, brotos, flores e especiarias.
“Às vezes me perguntam se coloquei corante nas comidas, porque são
incríveis as coisas que a natureza traz. Chefs que vêm nos visitar ficam intrigados,
perguntam sobre as receitas”, diz.
Os nhoques pululam, nesse aspecto, espécie de cartões de visita da casa,

“Os chefs costumam visitar restaurantes para acompanhar as tendências,
eu penso que vivo em outro mundo. Meus passeios são pela horta”

Tudo começou
no McDonald’s
Chef elogia a
lanchonete, onde
aprendeu detalhes
que lhe abriram
portas
“Fui treinado para
ser gerente por
equipe americana,
tudo muito rígido
em termos de
disciplina, limpeza
e padronização”,
recorda.
Em seguida,
cursando
gastronomia na
Marinha, conheceu
a chef Flávia
Quaresma, que
o levou para seu
Carême Bistrô. “Ela
precisava de alguém
que entendesse de
administração de
cozinha e passei
a cuidar de tudo,
usando coisas que
tinha aprendido na
lanchonete”.
Um belo dia foi
chamado ao Parador
Lumiar para uma
consultoria de
cardápio, e lá se
encontra há 13 anos.
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