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O ESTADO DE S. PAULO QUARTA-FEIRA, 4 DE MARÇO DE 2020 Caderno 2 C5
ROBERTO
DAMATTA
Oklahoma!
/ Oklahoma!
(Estados Unidos/1955). Dir. de Fred
Zinnemann. Com Gordon MacRae,
Gloria Grahame, Gene Nelson, Char-
lotte Greenwood, Shirley Jones
O Pecado Mora ao Lado
/ The Seven Year Itch
(Estados Unidos/1955).
Dir. de Billy Wilder. Com Ma-
rilyn Monroe, Tom Ewell,
Evelyn Keyes, Sonny Tufts,
Robert Strauss
Em uma zona rural, vive Curly,
um humilde rancheiro que
ama Laurey Williams, a filha
do fazendeiro. Apesar do senti-
mento ser recíproco, o ameaça-
dor Judd faz de tudo para impe-
dir que os apaixonados fiquem
juntos. Musical clássico, com
canções de dois revolucioná-
rios, Rodgers e Hammerstein.
TC CULT, 22h. REP., COL., 139 MIN.
Quando a mulher e o filho
viajam de férias, o editor
de livros Richard Sherman
se vê sozinho no seu aparta-
mento em Nova York. Para-
noico com a possibilidade
de se tornar infiel, ele co-
nhece a nova vizinha: uma
jovem e bela loira que tem
o sonho de ser atriz. Diver-
tidíssima comédia, com o
humor inteligente que era
característico de Billy Wil-
der e, principalmente, o
talento não reconhecido
de Marilyn Monroe.
TC CULT, 20h05. REP., 115 MIN.
2 Coelhos
(Brasil/2012). Dir. de Afonso Poyart.
Com Fernando Alves Pinto, Alessan-
dra Negrini, Caco Ciocler, Marat Des-
cartes, Neco Villa Lobos, Thaíde,
Robson Nunes, Thogun Teixeira
Q
uem são, o que significam?
Só os antropólogos fazem
essas perguntas que todos
sabem. Tios são os irmãos dos pais e
ponto final.
Sim, mas os pais não precisam de
mediadores para defini-los. Os
pais têm um elo direto conosco:
são genitores, os que nos inventa-
ram biológica e moralmente. Para
nós, aliás, o ideal é que o genitor
seja também o pater – o pai. Se a
mãe geradora é uma só pessoa tal
não ocorre com o pai, que pode ou
não ser o nosso genitor. Quando
não há simultaneidade entre geni-
tor e pater, entramos – para dizer o
mínimo – num espaço pantanoso...
Os antigos romanos diziam:
“Mãe certa, pai incerto”, traduzin-
do o ideal de o genitor ser o pai,
uma dimensão de ausência como
axioma no caso materno de cuja
barriga todos saímos. Mas quem lá
colocou a semente?
Os romanos também usavam um
mesmo termo – avunculus – para desig-
nar o tio materno e o avô chamado de
avus. Avoengos e tios, exceto pelo dimi-
nutivo, eram chamados pelo mesmo
termo. Tal prática não é incomum e eu
mesmo testemunhei tal identificação
nos grupos tribais jê-timbiras que pes-
quisei, entre os quais é o tio materno
(ou o avô chamado pelo mesmo termo
de parentesco) que transmite o seu no-
me para o sobrinho (ou neto). E como
nessas sociedades os nomes dão direi-
tos a pertencer a grupos e associações,
há uma identidade entre tios-avôs e so-
brinhos-netos.
Aliás, em muitas sociedades o casa-
mento preferido é com a filha do tio
materno. O que seria uma prima é, em
outros mundos culturais, uma “espo-
sa” potencial. O tio vira um sogro, papel
relacionado ao de cunhado entre nós...
Isso relativiza o papel de pai. Entre
nós, a figura paterna tem prioridade
como fundadora de uma família, for-
mando o triângulo consagrado cons-
tituído por Pai, Mãe e Filho. E, em
muitas sociedades monoteístas, sim-
boliza o Criador do Mundo, como no
cristianismo.
Os avós e os tios um tanto marginali-
zados são figuras destacadas nas socie-
dades onde a transmissão de proprie-
dade corre pelo lado materno. Nelas,
quem tem autoridade é o tio materno e
não o pai. Entre nós, é o pai quem “dá a
mão da sua filha em casamento”, em
outros sistemas, os tios e os avôs é que,
como se diz em antropologia, “doam”
as mulheres. Sem tais trocas (pois
quem doa, recebe) seríamos – como
demonstrou Lévi-Strauss num estu-
do fundador – incestuosos, pois esta-
ríamos recusando a reciprocidade e a
comunicação. A essa altura, cabe re-
memorar o axioma: “Não nos casa-
mos com nossas irmãs (ou filhas),
confiando que você faça o mesmo,
pois, deste modo, trocamos de ir-
mãos e filhos, estabelecendo laços
com outros grupos sociais”.
*
Escrevo essa introdução acadêmi-
ca motivado pela irreparável perda
de minha tia Lucília Gonzaga da Mat-
ta, mulher de meu tio Mario, filho
caçula de minha avó Emerentina e do
meu avô Raul. Esse tio Mario que
com meus tios Silvio e Marcelino fo-
ram formadores de minha persona
social, compensando a silenciosa au-
toridade de meu pai.
Foi no embalo triste do funeral que
enxerguei o papel de tia e tio. Real-
mente, os tios (como os avôs) servem
como amortecedores das proibições
contidas nas paternidades. Mãe e pai
têm tudo a ver com a fabricação e o
cuidado do corpo, ao passo que o elo
com tios e com os avoengos é crucial
como um apadrinhamento para a vi-
da fora do corpo (da nossa “alma”). A
constituição de nossa pessoa como
uma entidade pública. Com o direito
a escolher e ser livre.
Se o pai tem que manter com o filho
uma relação permeada de respeito, tal
não é o caso dos tios, que têm com os
sobrinhos um laço mais solto e livre,
conforme aconteceu comigo.
Foram meus tios que me ensinaram
como dançar e namorar. Foi deles que
ouvi anedotas e histórias de sexo abso-
lutamente ausentes na casa natal.
Meus tios e alguns empregados fo-
ram básicos na minha educação senti-
mental. Hoje, sei como eles desafiaram
os limites da figura do pai genitor e, co-
mo ensinou Freud, castrador. Se o pai
não fala, os tios revelam, se o pai nega,
os tios oferecem o cigarro ou o copo de
cerveja. Se o pai não contou jamais uma
aventura ou mentira, os tios podem
abusar dessas narrativas.
*
Tia Lucília não foi uma mulher co-
mum. Além de esposa perfeita para
um amazonense um tanto perdido
em Niterói, ela era filha do grande
dramaturgo (hoje, lamentavelmen-
te esquecido) Armando Gonzaga,
autor de um conjunto notável de co-
médias nas quais tudo se passa en-
tre casais, padrinhos e empregados.
Entre os dilemas do viver melhor do
que se pode ou deve, entre as motiva-
ções de uma sociedade que tem sé-
rias dúvidas se o trabalho é maldi-
ção e o emprego público uma dádiva
divina. Lucília foi um bálsamo na vi-
da de tio Mario.
E ele, por seu turno, foi um bálsa-
mo na minha vida realizada, como
todas vidas, entre o profundo respei-
to pelo pai imediato e restritivo e as
aventuras e intimidades consenti-
das pelos tios – essas figuras situa-
das entre a rua e a casa, entre os sa-
grados genitores e os amigos que
nos levam às experiências sem as
quais jamais seríamos seres huma-
nos conhecedores da importância
dos de fora – esses abençoados tios.
PS: Mostrei, como sempre faço,
essa croniqueta ao meu mentor, pro-
fessor e brasilianista consagrado Ri-
chard Moneygrand, que disse o se-
guinte: “Acho que o Brasil precisa
de menos pais e mais tios”.
Após se envolver em um grave
acidente de carro, no qual uma
mulher e seu filho são mortos,
Edgar é indiciado, mas conse-
gue escapar da prisão graças à
influência de um deputado es-
tadual. Exemplo bem acabado
de filme nacional de ação, em
que o roteiro oferece surpresas
que mantêm a atenção.
C.BRASIL, 22h10. REP., COL., 110 MIN.
Eliana Silva de Souza
N
o dia em que faria 95
anos, Inezita Barroso
ganha homenagem com
a exibição, pela TV Cultura, de
documentário sobre a sua traje-
tória de vida e profissional. Di-
rigido por Helio Goldsztejn,
com roteiro de Fabio Brandi
Torres, Inezita nos leva ao mun-
do da dama da viola, revelando
detalhes dessa mulher, que te-
ve de conquistar seu espaço na
marra, desafiando a família e a
sociedade. Ignez Magdalena
Aranha de Lima, nome de batis-
mo de Inezita Barroso, nasceu
em 4 de março de 1935 e mor-
reu no dia 8 de março de 2015,
aos 90 anos, deixando seu no-
me impresso na história da
música brasileira.
“Eu resolvi fazer o documen-
tário quando houve a Ocupa-
ção Inezita, no Itaú Cultural,
em 2017”, diz Helio Goldsz-
tejn, que conta ter convivido
com Inezita na redação da TV
Cultura, mas não tinha proxi-
midade com o trabalho dela
fora do Viola Minha Viola. Dire-
tor revela que desconhecia a
mulher que enfrentou pais,
amigos, maridos, para se dedi-
car à musica de raiz. “Desco-
nhecia a professora e pesquisa-
dora, capaz de dirigir um jipe
na década de 1950 em busca
das cantigas do Brasil profun-
do e de queimar essa pesquisa,
pois ninguém deu bola ao tra-
balho”, conta ele, dizendo ain-
da que foi assim que passou a
conhecer essa mulher acima
de sua personagem na TV.
Cantora, atriz, instrumentis-
ta, bibliotecária, folclorista,
professora, apresentadora de
rádio e televisão, além de ter
sido eleita para a Academia
Paulista de Letras (APA). Essa
era Inezita Barroso, que por
35 anos apresentou o progra-
ma Viola, Minha Viola, que ani-
mava as manhãs de domingo,
da TV Cultura, sempre com
um auditório lotado. Nele, so-
mente representantes da músi-
ca caipira. Para se apresentar
no Viola, nada de usar eletrôni-
cos, tinha de tocar viola, vio-
lão, percussão ou outros ins-
trumentos que tivessem uma
identificação com o gênero.
“Como apresentadora, Inezita
comprou várias brigas por ad-
mitir apenas a presença de ar-
tistas que procuravam manter
a tradição do gênero que abra-
çou, não admitindo a presen-
ça de baterias e teclados no
palco do programa, por exem-
plo”, conta Helio.
O diretor enfatiza a força de
Inezita, pois se hoje a presen-
ça feminina é cada vez maior
na música caipira, muito des-
te mérito se deve a ela. E ele a
define em três palavras – ta-
lento, bravura e humor. Segun-
do Helio, ela deixou algumas
discípulas, como Juliana Andra-
de e Bruna Viola, mas ela “ti-
nha carisma único e, claro, ti-
nha consciência disso”.
Exemplo de determinação
e força, com profundo conhe-
cimento das raízes da música
caipira, a história de Inezita
Barroso se confunde com a
das artes brasileiras, pois se
manteve em atividade por
mais de 60 anos. Além de cra-
var seu nome nesse segmen-
to, a cantora também fez bo-
nito no cinema, chegando a
ganhar o Prêmio Saci de me-
lhor atriz de 1955.
A TV Cultura exibe o docu-
mentário Inezita nesta quarta,
a partir das 22h45.
ACERVO PESSOAL
Doc sobre Inezita Barroso é exibido na Cultura
ROBERTO DAMATTA ESCREVE
ÀS QUARTAS-FEIRAS
Filmes na TV
Hillel Italie
NOVA YORK / AP
Um livro de memórias de
Woody Allen, sobre o qual se es-
palharam boatos por anos e che-
gou a ser considerado impubli-
cável na era do #MeToo, virá a
público no mês que vem.
A Grand Central Publishing,
uma divisão do Hachette Book
Group, anunciou na segunda-
feira, 2, que o livro terá o título
Apropos of Nothing (A propósi-
to de nada) e será publicado
em 7 de abril.
“O livro é um relato comple-
to de sua vida, tanto a pessoal
quanto a profissional, e fala de
seu trabalho no cinema, teatro,
televisão, clubes de humor e pu-
blicações”, de acordo com a
Grand Central. “Allen também
escreve sobre seus relaciona-
mentos com a família, os ami-
gos e os amores de sua vida.”
Não foram divulgados os ter-
mos financeiros do livro, que a
Grand Central adquiriu discre-
tamente há um ano, e um porta-
voz se recusou a fornecer mais
detalhes sobre seu conteúdo.
Apropos of Nothing será publica-
do nos Estados Unidos e tam-
bém no Canadá, na Itália, Fran-
ça, Alemanha, Espanha e, de-
pois, em outros “países ao re-
dor do mundo”. Allen dará “vá-
rias entrevistas” sobre o livro,
anunciou a Grand Central.
O cineasta de 84 anos, vence-
dor do Oscar e conhecido por
filmes como Noivo Neurótico,
Noiva Nervosa e A Rosa Púrpura
do Cairo, é considerado um dos
comediantes mais influentes
de sua geração.
Mas as acusações de sua filha
Dylan Farrow de que ele abusou
dela quando ela ainda era crian-
ça, no início dos anos 1990, afe-
taram sua carreira nos Estados
Unidos. A Amazon Studios can-
celou um contrato de produção
e distribuição com Allen, e vá-
rios atores disseram que não tra-
balharão mais com ele. Seu fil-
me Um Dia de Chuva em Nova
York estreou na Europa e na
América Latina no ano passado,
mas não nos Estados Unidos.
Sua produção atual, Rifkin’s
Festival, com Christoph Waltz e
Gina Gershon, foi filmada no
ano passado e está procurando
uma distribuidora.
Allen negou que tenha feito
qualquer coisa errada e não
chegou a ser acusado depois
de duas investigações diferen-
tes na década de 1990. Mas as
acusações de Dylan recebe-
ram atenção renovada na era
do #MeToo.
O diretor quase publicou um
livro de memórias há mais de
uma década. Segundo relatos,
ele teria assina-
do um acordo
multimilionário
com a editora
Penguin, em
2003, mas mu-
dou de ideia.
Em 2018-2019, vários edito-
res, citando preocupações com
o #MeToo, teriam dispensado
o representante de Allen que
buscava uma editora para seu
livro. Mas, segundo um porta-
voz da Grand Central, um acor-
do foi firmado em março de
2019, depois que o editor e o vi-
ce-presidente Ben Sevier leram
todo o manuscrito.
No passado, uma autobiogra-
fia de Allen não encontraria pro-
blemas para ser publicada. Sua
carreira como ator e diretor foi
muito celebrada e ele é conheci-
do por seus jogos de palavras e
comentários espirituosos. Ga-
nhou três prêmios da Academia
por seus roteiros e é um escritor
que há décadas publica ensaios
humorísticos na New Yorker e
em outras publicações. Entre
seus livros anteriores estão as
coleções de ensaios Sem Plumas
e Cuca Fundida.
O acordo de Allen com a Ha-
chette significa que ele compar-
tilha a casa editorial com um de
seus heróis literários, J.D. Salin-
ger, e com um de seus princi-
pais detratores, seu filho Ronan
Farrow, cujo li-
vro Catch and Kill
foi publicado no
ano passado pela
Little, Brown
and Company,
uma divisão da
Hachette (no Brasil, Operação
Abafa, pela editora Todavia).
Ronan Farrow ganhou um
Prêmio Pulitzer por suas repor-
tagens sobre Harvey Weinstein
e há anos se afastou de seu pai,
assim como sua mãe, Mia Far-
row, que estrelou A Rosa Púrpu-
ra do Cairo, Hannah e Suas Ir-
mãs e outros filmes de Allen.
Até novembro de 2020, uma
divisão da Macmillan publicará
o primeiro romance de Dylan
Farrow, Hush, descrito como
uma “poderosa fantasia femi-
nista cheia de informações sur-
preendentes”. / TRADUÇÃO DE
RENATO PRELORENTZOU
TWENTIETH CENTURY FOX
DESTAQUE
Força. Cantora foi defensora ferrenha da música caipira
Tios
Literatura. Em suas memórias, Woody Allen escreve sobre sua vida, pessoal e profissional, e fala de seu trabalho no cinema, teatro, TV
Essas figuras estão situadas
entre a rua e a casa, entre os
sagrados genitores e os amigos
AP
Livro de Allen será lançado em abril
O cineasta. Allen compartilha casa editorial com um de seus heróis literários, J.D. Salinger
‘SEM PLUMAS’ E
‘CUCA FUNDIDA’ SÃO
OUTRAS OBRAS DO
DIRETOR DE 84 ANOS