National Geographic - Portugal - Edição 228 (2020-03)

(Antfer) #1
PIONEIRAS 87

Não havia poder de fogo
suficiente para manter Dickey
Chapelle longe da guerra.
Na sua foto (em baixo)
da guerra do Vietname,
um inferno expulsa soldados
vietcong de uma cabana
no delta do Mekong. Chapelle
cobriu dezenas de conflitos.
Morreu devido a ferimentos
sofridos quando estava
numa patrulha com fuzileiros
no Vietname.
GEORGE F. MOBLEY (NO TOPO);
DICKEY CHAPELLE


Em 1959, Dickey Chapelle preparava-
-se para saltar de uma torre. A pioneira
correspondente de guerra acompanha-
va o exército dos EUA no Kentucky e,
aos 41 anos, saltava de pára-quedas
pela primeira vez. Estava aterrorizada,
mas o medo nunca durava muito para
Chapelle. Ela disse que saltar de pára-
-quedas era uma das “melhores expe-
riências que alguém pode ter”.
Por essa altura, já Chapelle fora
destacada para dezenas de conflitos,
incluindo a Segunda Guerra Mundial.
Foi detida em prisão solitária durante
a insurreição húngara e foi a primeira
jornalista a receber acreditação dos
rebeldes argelinos. Fidel Castro cha-
mou-lhe “aquela americanazinha edu-
cada com sangue de tigre nas veias”.
Tornou-se também a única mulher da
sua época autorizada a saltar com pá-
ra-quedistas no Vietname, repetindo
o feito de outra pioneira, a portuguesa
Fernanda Reis, que saltara de pára-
-quedas na guerra da Coreia.
Nascida Georgette Meyer, Cha-
pelle adoptou a alcunha de Dickey. Aos
14 anos, vendeu o seu primeiro artigo
à revista “U.S. Air Services”. Aos 16,
matriculou-se no MIT. Casou-se com
Tony Chapelle em 1940.
O casal começou a escrever e a fo-
tografar reportagens para a National
Geographic na década de 1950, mas,
depois de se separarem, Dickey as-
sumiu ambos os papéis. Espetando
alfinetes de pára-quedista vietnamita
e do exército dos EUA no seu chapéu
de mato, aventurou-se onde outros re-


pórteres não se atreviam a ir. Embora
a sua presença fosse uma novidade,
não lhe garantiu qualquer tratamen-
to especial. Ela intitulou a sua auto-
biografia de “What’s a Woman Doing
Here?”, em homenagem a um refrão
que ouvia frequentemente no cam-
po de combate. “Não há dúvidas” de
que a guerra não é recomendada para
uma mulher, disse numa entrevista.
“Só existe outra espécie no mundo
para quem a guerra também não é re-
comendada: o homem.”
Em 1962, tornou-se a segunda mu-
lher a receber o Prémio George Polk
Memorial, o mais importante galardão
de bravura concedido pelo Overseas
Press Club of America. Terá assistido
a mais combates no Vietname do que
qualquer outro americano: 17 opera-
ções no total. Terminaria ali, porém,
o número de conflitos da sua carreira.
No dia 4 de Novembro de 1965,
Chapelle participava numa missão
dos fuzileiros junto da cidade costeira
de Chu Lai. Por volta das 8 horas da
manhã, a unidade de patrulha trope-
çou numa armadilha que fez explodir
uma granada ligada a um morteiro.
Chapelle foi atingida por estilhaços
no pescoço. Faleceu no chão de um
helicóptero, a primeira corresponden-
te americana a morrer em combate.
Anos mais tarde, outros jornalistas
disseram que ainda havia soldados
das tropas aéreas vietnamitas que se
lembravam com carinho da mulher
baixinha e sem papas na língua que
em tempos saltara com eles.
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