National Geographic - Portugal - Edição 228 (2020-03)

(Antfer) #1
OFIMDOLIXO 9

“Leibniz disse: ‘Se é possível, então existe.’
Acrescento: ‘Se conseguirmos que exista, então é
possível.’” Seria aquilo tautológico? Seria sensato?
Teria Leibniz afirmado aquilo? Fosse como fosse,
era intrigante. Pouco depois, peguei na minha ve-
lha malinha de rodas e pu-la a reparar (um gesto
muito circular, comparado com a compra de uma
nova), embalei as calças de ganga certificadas que
William McDonough me oferecera e fui à procura
de provas sobre a existência da economia circular.


Metais


OS PRIMEIROS PEQUENOS TROPEÇÕES na nossa
circularidade natural aconteceram antes da revolu-
ção industrial do século XVIII. Além de deitarem
cacos de ânforas por todo o lado, sem quaisquer
inibições, os romanos foram pioneiros de uma
invenção preocupante: os esgotos. Ou seja, canali-
zaram os resíduos humanos para os rios, em vez de
os devolverem aos campos – o local indicado para
esses resíduos, como qualquer perito em circulari-
dade poderá explicar. Durante a sua juventude,
vivida em Tóquio na década de 1950, William
McDonough recorda-se de acordar durante a noite
com o barulho dos agricultores a recolherem os
dejectos nocturnos da família.
Os romanos, tal como os fenícios antes deles,
também extraíam cobre das jazidas. Mas também
reciclavam: derretiam as estátuas de bronze dos
povos conquistados para fabricarem armamento.
O cobre sempre foi um bem de primeira escolha
para os recicladores. Comparado com os resíduos
domésticos, é escasso e valioso.
No pátio da Aurubis, siderurgia de cobre em
Lünen, no Ruhr, na região ocidental da Alema-
nha, um grande busto de Lenine ergue-se num
canteiro de flores, recordando os muitos Lenines
de bronze fundidos nesta unidade fabril, trazidos
de várias cidades da Alemanha comunista, depois
de a Alemanha Oriental e a Alemanha Federal se
terem reunificado em 1990. A Aurubis é a maior
produtora europeia de cobre e também a maior
entidade recicladora de cobre do mundo. Quan-
do a fábrica de Lünen foi construída, em 1916, no
auge da Grande Guerra, havia escassez de cobre
para as munições de artilharia e os alemães já reti-
ravam sinos de bronze dos campanários das igre-
jas. “Desde esse dia, esta unidade tem-se dedica-
do exclusivamente à reciclagem”, afirmou Detlev
Laser, director-adjunto da fábrica.


Contrariamente ao plástico, o cobre pode ser
indefinidamente reciclado sem perda de qualida-
de: é um material perfeitamente circular. A fábri-
ca de Lünen ainda transforma cobre a granel, na
maioria originário de condutas e cabos, mas teve
de adaptar-se a concentrações muito mais baixas.
Com a Europa a substituir os aterros por unidades
municipais de incineração, tem aparecido muita
escória com pedaços de metal... “porque alguém
deitou fora o seu telemóvel no lixo” em vez de o
depositar na reciclagem, explicou Detlev Laser.
Na companhia de Hendrik Roth, gestor da
fábrica responsável pelo ambiente, vi uma es-
cavadora despejar baldes repletos de resíduos
electrónicos, incluindo computadores portáteis,
sobre uma correia transmissora que os transpor-
tava até uma trituradora. Foi a primeira de mais
de uma dezena de etapas no desconcertante e en-
surdecedor processo de triagem. Numa estação,
uma correia passava velozmente, transportando
fragmentos de placas de circuito do tamanho de
uma mão. Algumas precipitavam-se por um abis-
mo, enquanto outras saltavam, como se tivessem
vontade própria, para uma correia acima. Um
sistema de câmaras, explicou Hendrik, decidia
se cada fragmento continha ou não metal. Não o
contendo, activava um jacto de ar por baixo dele
nesse preciso momento.
A Aurubis vende o alumínio e o plástico que re-
cupera a essas indústrias. O cobre e outros metais
não-ferrosos vão para as suas próprias fornalhas.
No pátio arrumado, a poeira é limpa todos os dias
e serve para alimentar a fundição. “Aqui não há
resíduos”, afirmou Detlev Laser.
A nível mundial, apenas um quinto da totalida-
de dos resíduos electrónicos é reciclada, segundo
um relatório de 2017 da ONU. A Aurubis até recebe
remessas provenientes dos Estados Unidos. “Por
vezes, pergunto-me por que razão um país tão al-
tamente industrializado prescinde de tais recur-
sos”, disse Hendrik. “Têm ao seu dispor milhares
de milhões de euros.”
Contudo, o cobre é representativo de um desa-
fio geral: há um limite para o que uma reciclagem
agressiva pode alcançar. Na Aurubis, o cobre reci-
clado representa apenas um terço do total da pro-
dução: o resto ainda vem das minas. A produção
mundial de cobre quadruplicou no último meio
século e continua a aumentar. As tecnologias de
que precisamos para abandonar os combustíveis
fósseis requerem grandes quantidades de cobre:
uma única turbina eólica gigante consome cerca
de 30 toneladas. (Continua na pg. 18)
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