National Geographic - Portugal - Edição 228 (2020-03)

(Antfer) #1

24 NATIONAL GEOGRAPHIC


Segundo Marc Zornes, os seus clientes cos-
tumam reduzir para metade o desperdício de
géneros alimentares ao prestarem atenção aos
seus caixotes de lixo. Na sua opinião, isso é evi-
dente nos buff ets de pequeno-almoço: a maior
parte dos restos é deitada fora. “Quando come-
çamos a medir o problema, começamos a geri-
-lo”, afi rmou. Deitamos menos fora. Ao entrar
na Winnow, transpondo as portas deslizantes
decoradas com graffi ti, esperava encontrar um
ambiente descontraído e cheio de estilo. Ao sair,
sentia vontade de falar sobre a Winnow com o
meu sobrinho, cozinheiro no Ritz-Carlton.
Alguns dias mais tarde, tive uma experiência
semelhante em Amsterdão, no InStock, um res-
taurante especializado em culinária de alto nível
a partir de excedentes alimentares. Numa sala
decorada com simplicidade, mas com iluminação
acolhedora, sentei-me sob um sinal de madeira
onde se contabilizavam os “alimentos resgata-
dos” – 780.054 quilogramas. Uma das fundadoras,
Freke van Nimwegen, estava no bar a verifi car a
contabilidade. Sentou-se ao meu lado e contou-
-me a sua história, enquanto me serviam os pratos
da ementa de preço fi xo.
Freke terminara o curso de gestão dois anos
antes e trabalhava para a Albert Heijn, a maior
cadeia de mercearias holandesa, quando desco-
briu o problema do desperdício de géneros ali-
mentares. Na qualidade de subgerente da loja,
quis agir, mas não pôde. Os bancos alimentares
talvez levassem algum pão, mas não a totalidade
dos produtos. Acompanhada por dois colegas,
teve a ideia do InStock em 2014 e convenceu a
empresa a apoiá-la. Começou como quiosque
e agora tem este restaurante e outros dois, em
Utrecht e Haia: para ela, o negócio estava agora a
tornar-se interessante.
“O nosso sonho não era abrir uma cadeia de res-
taurantes”, disse. “Nem pensar. Queríamos fazer
algo para contrariar o desperdício de alimentos.”
O meu prato principal apareceu: medalhões de
“Ganso frito do Kentucky”. “Cuidado, pode haver
balas na carne”, avisou a empregada. O Aeroporto
de Schiphol, explicou Freke, contrata caçadores
para abaterem os gansos selvagens que, de outro
modo, poderiam avariar as turbinas dos aviões a
jacto. Antigamente as aves mortas eram incinera-
das: agora são trazidas para aqui. Os medalhões
tinham uma textura borrachosa, mas eram sa-
borosos e não tinham balas. Acompanhados por
compota de beringela e um coulis de pimentos
vermelhos, comiam-se muito bem.


No InStock, os cozinheiros improvisam com
tudo o que lhes aparece. Os géneros são fornecidos
pela Albert Heijn mas também por produtores,
incluindo agricultores. “É fácil apontar o dedo e
acusar os supermercados”, afi rmou Freke van Ni-
mwegen. “A totalidade da cadeia de abastecimen-
to, incluindo o cliente – todos querem ter tudo
disponível. Basicamente, somos todos meninos
mimados. As empresas não querem vender um
‘não.’ Por isso, têm sempre um bocadinho a mais.”
Em 2018, o InStock começou a fornecer exce-
dentes de géneros alimentares a outros restauran-
tes. Agora, a prioridade de Freke van Nimwegen é
celebrar contratos para abastecer as cantinas das
empresas. “Para nós, o mais importante é gerar
volume”, disse. “Neste tipo de locais, há mil pes-
soas que precisam de almoçar.” Os holandeses
conseguiram diminuir o desperdício de alimen-
tos em 29% desde 2010, segundo um relatório go-
vernamental, ultrapassando até os britânicos.
A sobremesa era uma fabulosa espuma de ba-
gas e cerejas escalfadas em vinho tinto, retirado
de garrafas abertas há demasiado tempo. A conta
era trazida num carrinho de compras de super-
mercado em miniatura, cheio de fruta deforma-
da: um pêssego achatado e uma pêra muito ma-
grinha. Guardei-as no bolso para suplementar os
almoços que fazia tenção de resgatar do buff et do
pequeno-almoço e, sentindo-me agradavelmente
desperto e bem alimentado, regressei de bicicleta
ao hotel entre as brumas da noite de Amsterdão.
No meu quarto, encontrei um morcego a voar
em círculos frenéticos. Ao olhar para o pobre
animal em busca de uma janela aberta, vislum-
brei outra dádiva, desta vez sob a forma de me-
táfora. No entanto, inicialmente não soube o
que fazer com ela.

Aberturas


PARA SAIRMOS DA ARMADILHA em que nos mete-
mos com a economia linear e regressarmos a uma
economia modelada a partir da natureza, vai ser
preciso muito “pensamento divergente”, como lhe
chamam os psicólogos. Em Copenhaga, fiz uma
pausa para contemplar a nova incineradora muni-
cipal, que queima lixo para gerar energia e diverge,
indubitavelmente, da norma: tem no telhado uma
rampa de esqui para todas as estações. Mas o meu
destino real era o porto vizinho de Kalundborg,
uma espécie de símbolo da economia circular.
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