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24 horas por dia: onze “tias” do Departamento de
Assuntos Estudantis que vivem nos dormitórios,
uma enfermeira e um gabinete de psicologia com
a porta sempre aberta. Algumas ainda têm balas e
estilhaços alojados no corpo. Uma tem uma per-
na prostética. Outra usa uma bengala para andar.
A maioria passou quase três anos em cativeiro e
ainda sofre com o trauma.
Segundo os funcionários da AUN, a protecção é
necessária. No entanto, há quem ache que elas es-
tão a ser controladas. “Quando foram libertadas,
foram mantidas juntas pelo governo em Abuja.
Depois, foram enviadas para a AUN”, disse Anie-
tie Ewang, investigadora da Human Rights Watch
que acompanha o caso de perto. “Parece que fo-
ram mantidas em isolamento em todas as etapas.”
O governo nigeriano e doadores privados co-
brem as despesas de, no mínimo, seis anos de es-
colarização para cada rapariga. Quinze alunas já
concluíram o programa de estudos secundários
da NFS e frequentam a universidade. Mary K., que
fugiu no dia após o rapto, chegou à cidade univer-
sitária em 2014, sem saber falar inglês. Passados
dois anos, foi aceite na AUN. A transição não foi
fácil. Ela sabia que as outras alunas falavam sobre
elas pelas costas e pensou em pedir transferência
para outra escola. Agora, parece conhecer toda a
gente no campus. Uma vez por semana, dá tutoria
a um grupo de alunas da NFS, ensinando-as a ge-
rirem o seu tempo, a aperfeiçoarem o domínio do
inglês e a finalizarem com sucesso os três testes-
-padrão exigidos para a admissão na AUN.
Nem todas as sobreviventes da guerra com o
Boko Haram tiveram estas oportunidades. No es-
tado de Borno, o epicentro da crise, as aulas foram
canceladas durante dois anos. Ali e em dois esta-
dos vizinhos, cerca de quinhentas escolas foram
destruídas, oitocentas foram encerradas e mais de
dois mil professores foram mortos.
A cerca de 25 quilómetros do campus da AUN,
Gloria Abuya levanta-se às 5 horas e demora duas
horas a caminhar desde o acampamento com
2.100 pessoas deslocadas onde vive até à escola.
Quando os militantes do Boko Haram chegaram a
Gwoza, a terra natal de Gloria, em 2014, mataram
os homens e mandaram as mulheres enterrar os
corpos. Mais tarde, levaram as raparigas. Gloria
passou dois meses em cativeiro antes da noite da
fuga, enquanto os seus sequestradores rezavam.
Muitas mulheres aprisionadas pelo Boko Ha-
ram regressam a comunidades que as temem e a
famílias que as evitam. Gloria não sabe sequer se
algum dia conseguirá ter a sua vida de volta. “Não
tenho nada em casa à minha espera”, disse.
Em Maio de 2019, uma semana antes do início
das férias de Verão, as alunas de Chibok prepara-
ram-se para assinalar o aniversário da sua liber-
tação. “É muito triste porque nos lembramos das
nossas irmãs que estão na floresta”, disse Amina
Ali, enquanto se vestia para jantar após um dia
passado em ensaios para as festividades. “E aqui
estamos nós, felizes.”
No dia seguinte, o clube de teatro encenou uma
peça em que duas raparigas eram raptadas para
obtenção de resgate e as suas famílias faziam es-
forços para as recuperar. O enredo fazia troça da
ineficácia da polícia, da preguiça dos políticos
eleitos e da ganância dos raptores. Quando as pri-
sioneiras foram libertadas e se reuniram com as
suas famílias, o público irrompeu em aplausos.
Três famílias de raparigas desaparecidas que
vivem em Abuja dizem que não dispõem sequer
de um número de telefone para saber novidades,
não são avisadas quando há notícias e não têm
contacto com o governo desde um encontro tenso
mantido com o presidente Muhammadu Buhari
em 2016. O governo raramente faz comentários
nos dias que correm.
Numa colina atrás de um bairro de embaixadas e
casarões em Abuja, Rebecca Samuel vive num pré-
dio de betão. A sua filha, Sarah, é uma das alunas
que ainda se encontra desaparecida. Três fotogra-
fias que guarda na carteira mostram Sarah como
uma menina de 5 anos, quase a concluir o pré-
-escolar, uma miúda atrevida de 14 anos e depois
como uma adolescente vestida de branco. Quando
82 raparigas foram libertadas em 2017, Rebecca
correu para o hospital onde elas foram recebidas.
Os agentes de segurança não a deixaram entrar.
NO FINAL DA PRIMAVERA DE 2019, a AUN tomou
conhecimento de que alguns militantes tinham
queimado as casas de famílias de alunas de Chibok.
O chefe da segurança, Lionel Rawlins, desencorajou
as jovens a regressarem a casa, mas cerca de noventa
decidiram fazê-lo. Para algumas, era apenas o
segundo Verão volvido desde a sua libertação e esta-
vam desesperadas por verem as suas famílias.
Quando Esther
Joshua (à esquerda) foi
libertada do cativeiro,
recebeu um telefonema
da sua amiga Patience
Bulus, que fugiu
durante o rapto e está
actualmente a estudar
nos EUA. Patience pediu
a Esther para aproveitar
esta segunda oportuni-
dade. “É a nossa melhor
oportunidade de fazer
algo bom.”