52 ELLE PT
REPORTAGEM
show da Dior em Paris e ficar arrasada por
ninguém ter tirado uma foto minha»,
disse -me uma delas. «Lá estava eu com
o emprego dos meus sonhos, aparente-
mente feliz e bem -sucedida, mas a chorar
por dentro porque estava convencida de
que devia parecer gorda ou instável de-
mais – ou talvez as duas coisas – para não
conseguir uma foto.»
Então, os especialistas em moda co-
meçaram a entrar no jogo, apostando
num estilo mais arrojado. As mulheres
que antes ficavam felizes por se sentar em
na primeira fila de calças pretas e uma
sweater de caxemira começaram a usar
os looks dos designers da cabeça aos pés.
As estrelas do street style repetiram a
jogada. E as coisas ficaram competiti-
vas. Não se tratava apenas de quem era
fotografado, mas de quem fotografava,
era um símbolo de status da moda sendo
conquistado com base no fotógrafo de
rua que escolheu apontar a sua lente
para determinado look. (Garance Doré
e Scott Schuman, do Sartorialist, eram
os grandes nomes na altura.)
É fácil revirar os olhos para este com-
portamento, mas a moda é uma indústria
cruel, onde a aparência é tudo. Embora
devesse ser suficiente para estas mulheres
alcançarem o topo das suas profissões
tornando -se editoras, dificilmente pode-
mos julgá -las por procurarem uma valida-
ção extra – especialmente considerando
que elas poderiam ver a sua própria
importância a ser desafiada por essa nova
geração de influenciadores da moda.
O jogo tinha mudado: elas tiveram de
evoluir com ele. O guarda-roupa da
semana da moda tornou -se um caso de
adaptação ou morte.
Essas novas regras não eram para fracos
de coração, mesmo que os espólios fossem
ótimos. Alavancar as suas posições com a
audácia de uma Kardashian podia trazer-
-lhes dinheiro através de recomendações
e posts patrocinados. Tu passavas a ser
uma marca, então tinhas de apresentar
a melhor versão possível de ti própria o
tempo todo, por mais exaustivo – e às
vezes inautêntico – que isso fosse.
E não nos enganemos: foi cansativo.
Quando os nossos rendimentos são dire-
tamente afetados pela nossa aparência, é
lógico que a nossa aparência assume uma
importância pouco saudável. Se trabalhar-
mos na indústria da moda, o nosso próprio
comportamento vai ser refletido por to-
dos à nossa volta, o que faz com que nos
esforcemos ainda mais. Havia histórias a
circular internamente de editores de moda
que se endividavam para pagar a própria
roupa que os mantinha prontos para o
street style. Outros havia em que a dívida
era para com as marcas e os publicitários
que lhes emprestavam guarda -roupas
inteiros. Logo, o estilo tornou -se menos
sobre uma individualidade natural e mais
sobre vestir -se de forma hipercompetitiva.
Era totalmente normal que as mesmas
pessoas usassem vários looks num dia,
só para maximizarem a visibilidade. E
quanto mais surreais e impressionantes
fossem, maior a probabilidade de elas
serem fotografadas. (Uma editora que eu
conheço apareceu de brincadeira na Lon-
don Fashion Week, algumas temporadas
atrás, com um capacete de construtor, com
brilhos, para testar a teoria. Ela foi foto-
grafada dezenas de vezes e a sua imagem
publicada em sites de notícias de moda
do mundo inteiro.) Além disso, tornou-
-se difícil distinguir os fotógrafos reais
daqueles que só estão lá para fotografar
as mulheres que os contrataram para lá
estar. Fotógrafos falsos, roupa emprestada,
estilos que não parecem autênticos nem
para quem usa nem para quem vê... Até
aos shows de primavera/verão de 2019,
os looks da primeira fila pareciam falsos.
É difícil identificar exatamente quando
as coisas começaram a mudar, mas elas
mudaram (talvez tenha sido o dia em que
uma blogger foi quase atropelada em
Milão). Seria simplicista demais marcar
uma data. Até porque foi uma mudança
radical, mas lenta para esse modo de vida
que era desonesto e insustentável. Mas,
felizmente, essa transição está a acontecer
no mundo da moda. Se antes o objetivo
era tornar -se um ícone de estilo e uma
marca extraordinária, agora reverencia -se
«LEMBRO -ME
DE VER ALGUÉM
DO LADO DE FORA
DE UM SHOW
EM NOVA IORQUE
A USAR UM SUTIÃ
DURANTE
UMA TEMPESTADE
DE NEVE»
EDITOR DE MODA ANÓNIMO FOTOS: IMAXTRE (4)