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O ESTADO DE S. PAULO QUARTA-FEIRA, 11 DE MARÇO DE 2020 A
Esportes
O Melhor da TV
Investigação. Gustavo Amarilla nega pedido de prisão domiciliar sob alegação de que ex-jogador e irmão poderiam fugir do Paraguai
NORBERTO DUARTE / AFP
Rigor. Juiz Carlos Amarilla disse que além do uso de passaporte falsos pelos brasileiros outros crimes são investigados
Raphael Ramos
ENVIADO ESPECIAL / ASSUNÇÃO
O juiz Gustavo Amarilla ne-
gou ontem pedido de transfe-
rência de Ronaldinho Gaúc-
ho e seu irmão, Assis, para pri-
são domiciliar em Assunção,
no Paraguai. Ambos estão de-
tidos desde sexta-feira em
um presídio de segurança
máxima na capital paraguaia.
A primeira solicitação dos ad-
vogados dos brasileiros foi de
que ambos fossem liberados.
Sem sucesso, foi pedida, então,
a prisão domiciliar em Assun-
ção. O juiz e o Ministério Públi-
co, no entanto, se opuseram à
oferta dos advogados.
Chegou a ser dado como ga-
rantia o imóvel que serviria co-
mo prisão domiciliar, no valor
de US$ 770 mil (cerca de R$ 4
milhões). Mas o juiz entendeu
que se ambos saíssem da cadeia
poderiam fugir e prejudicar as
investigações de uso de passa-
porte falso e outros crimes.
“É uma responsabilidade mi-
nha e do poder público que a
investigação não seja obstruída
e que ambos não fujam do país”,
alegou Amarilla.
Ronaldinho e o irmão não par-
ticiparam da audiência de on-
tem. Não foi revelado o endere-
ço da casa que serviria como pri-
são domiciliar para Ronaldinho
e Assis. Especula-se que o imó-
vel seja de propriedade de ami-
gos dos advogados dos brasilei-
ros e fica no bairro Lambaré.
Os advogados de Ronaldinho
Gaúcho e do irmão trabalham
agora para recorrer à Segunda
Instância. A defesa do ex-joga-
dor considera a prisão “ilícita,
ilegal e abusiva”.
Após o MP entender que não
era necessário abrir processo
contra os dois irmãos, o caso so-
freu uma reviravolta na sexta-
feira quando a Justiça viu risco
de fuga e determinou que eles
precisavam permanecer presos
durante a investigação – o in-
quérito pode durar até seis me-
ses para ser concluído, de acor-
do com as leis paraguaias. A du-
pla, inclusive, foi levada algema-
da a um tribunal no sábado.
Como parte da investigação
sobre a produção e uso de docu-
mentos falsos, foi dada ordem
de prisão a outras quatro pes-
soas. O Ministério Público
aponta Dalia López, empresá-
ria responsável por organizar a
viagem de Ronaldinho Gaúcho
e o irmão ao Paraguai, como su-
posta integrante de uma organi-
zação criminosa estruturada
de maneira a facilitar o desen-
volvimento e o uso de docu-
mentos de identidade e passa-
portes de conteúdo falso. Ela es-
tá foragida.
O esquema contaria com a
participação de funcionários es-
tatais e privados e o objetivo se-
ria obter negócios ilegais e bene-
fícios patrimoniais. Assim, um
passaporte paraguaio emitido
em nome de María Isabel Gayo-
so pelo Departamento de Iden-
tificação da Polícia Nacional te-
ria sido modificado para Ronal-
dinho, com nacionalidade para-
guaia naturalizada.
Os dois irmãos chegaram ao
Paraguai na última quarta-fei-
ra. No mesmo dia, a polícia foi
ao hotel onde ambos estavam
hospedados e apreendeu os pas-
saportes falsos.
“Todo o processo começou a
menos de uma semana. Pode
ser que eles estavam fazendo o
simples uso dos passaportes,
mas também há outros crimes
que estão sendo investigados”,
disse Amarilla. Os celulares de
Ronaldinho e seu irmão foram
apreendidos e os conteúdos
dos aparelhos vão para perícia.
A tese de que os brasileiros
fazem parte de uma organiza-
ção criminosa tentará ser derru-
bada pelos advogados do ex-jo-
gador, que alegam que ele não
sabia que o passaporte havia si-
do adulterado. O MP, no entan-
to, vê o caso por outro ângulo.
“Trata-se de uma investiga-
ção com fatos que comprome-
tem a segurança documental,
uma vez que foram apresenta-
dos cartões de identidade e pas-
saportes falsificados. O fato é
transcendente e está em um es-
tágio incipiente”, afirmou o pro-
motor Marcelo Pecci.
l 17h Liverpool x Atlético de Madrid
Liga dos Campeões, TNT
l 19h15 Figueirense x Fluminense
Copa do Brasil, terceira fase, SporTV
l 19h15 River Plate x Binacional-PER
Copa Libertadores, SporTV 3
l 19h15 Colo-Colo x Athletico-PR
Copa Libertadores, Fox Sports
l 21h D. Mavericks x Denver Nuggets
Basquete, NBA, ESPN
l 21h30 Cruzeiro x CRB
Copa do Brasil, terceira fase, SporTV 2
l 21h30 São Paulo x LDU
Copa Libertadores, Globo e Fox Sports
l 21h30 Flamengo x Barcelona-EQU
Copa Libertadores, SporTV
l 23h30 Sa. Kings x N. O. Pelicans
Basquete, NBA, ESPN
ASSUNÇÃO
A prisão de Ronaldinho e seu ir-
mão ganhou contornos políti-
cos no Paraguai. O ex-chance-
ler Rubén Melgarejo Lanzoni
demitiu-se do cargo de assessor
geopolítico e questões interna-
cionais do Ministério do Inte-
rior após ser revelado que a em-
presária Dalia López, apontada
como parte do esquema de falsi-
ficação de documentos, havia
contratado escritório de advo-
cacia ligado a ele. Já o presiden-
te da República, Mario Abdo Be-
nítez, garantiu que a investiga-
ção seguirá “caia quem cair”.
Tudo isso, depois de o minis-
tro da Justiça e Segurança Públi-
ca do Brasil, Sergio Moro, ligar
para o Paraguai pedindo explica-
ções sobre a prisão de Ronaldi-
nho Gaúcho, que é embaixador
do Turismo do governo Bolso-
naro. Ontem à tarde, Moro sol-
tou nota oficial na qual confir-
ma que manteve contato com
autoridades paraguaias. “Em
nenhum momento, houve inter-
ferência na apuração promovi-
da pelo Estado paraguaio. O Mi-
nistério da Justiça e Segurança
Pública preza pela soberania
dos Estados e pela independên-
cia dos órgãos judiciários.”
Já os advogados de Ronaldi-
nho apontaram que o MP para-
guaio trata ele e o irmão com
discriminação pelo fato de se-
rem estrangeiros. “Tal coisa
não existe. O Paraguai é um país
legalmente soberano e essa so-
berania deve ser imposta. Con-
tamos com fatos e argumentos
sólidos para apoiar a prisão pre-
ventiva. Além disso, existe o pe-
rigo de fuga devido à falta de raí-
zes dos réus no Paraguai”, disse
o promotor Marcelo Pecci. /R.R.
Juan Carlos Lezcano
ESPECIAL PARA O ESTADO / ASSUNÇÃO
Narcotraficantes, terroristas,
políticos e dirigentes de futebol
processados por lavagem de di-
nheiro. Uma população carcerá-
ria diversa está abrigada na
Agrupação Especializada de As-
sunção, a prisão em que Ronal-
dinho Gaúcho e seu irmão, Ro-
berto Assis, estão presos. Eles
são vizinhos de criminosos de
todo tipo de periculosidade: de
traficantes de drogas e mem-
bros do Primeiro Comando da
Capital (PCC) e do Comando
Vermelho (CV) a políticos deti-
dos por enriquecimento ilícito.
A Agrupação Especializada es-
tá localizada no bairro de Ta-
cumbú, em Assunção. O local
não é uma prisão, e sim um quar-
tel da Polícia Nacional – mas
tem sido usado como espaço pa-
ra detentos há anos.
Durante o período da ditadu-
ra militar de Alfredo Stroess-
ner, o quartel era conhecido co-
mo Agrupação de Segurança.
Lá, presos políticos foram tortu-
rados, mortos e até enterrados
durante os anos mais duros de
repressão do regime, de acordo
com documentos da época. Até
hoje é possível ver os lugares on-
de parentes das vítimas realiza-
ram escavações em busca de va-
las comuns para tentar encon-
trar restos dos desaparecidos.
Com a chegada da democra-
cia, o lugar tornou-se a sede da
Agrupação Especializada. Se-
gundo um levantamento feito
anos atrás pelo jornal ABC Co-
lor, esta é uma unidade de elite
que apoia os trabalhos da Polí-
cia Nacional. O quartel possui
cinco companhias de subofi-
ciais e dois grupos da polícia de
choque de 150 agentes, que pres-
tam serviços por turno. A segu-
rança é feita por 18 policiais.
Além da guarda permanente,
existem 24 câmeras de seguran-
ça localizadas nos pavilhões, as-
sim como dentro e fora das ins-
talações. Os policiais monito-
ram tudo de uma sala.
O quartel deveria ser prisão
para policiais. Mas as salas e ce-
las destinadas a eles passaram a
ser ocupadas por criminosos de
alto risco: sequestradores, ho-
micidas e narcotraficantes.
Ronaldinho ocupa uma sala
em um setor do Agrupamento
que não vinha sendo usada co-
mo local de confinamento, sen-
do designada para funções ad-
ministrativas.
Ramón González Daher, vi-
ce-presidente da Associação Pa-
raguaia de Futebol e do Comitê
Olímpico do Paraguai, também
está lá. É processado por crimes
como suposta lavagem de di-
nheiro e usura.
Mas também existem alguns
criminosos perigosos. Vários
membros dos grupos crimino-
sos Primeiro Comando da Capi-
tal e Comando Vermelho estão
detidos lá. Estima-se que 147 cri-
minosos estejam no local.
O momento mais crítico no
quartel provavelmente ocorreu
em abril do ano passado, quan-
do o narcotraficante brasileiro
Marcelo Pinheiro, o Piloto, as-
sassinou em sua própria cela
uma mulher de 18 anos, identifi-
cada como Lídia Meza. Aparen-
temente, o crime foi praticado
como medida extrema para ser
julgado no Paraguai, evitando
ser extraditado.
ASSUNÇÃO
Dalia López, a empresária para-
guaia que convidou Ronaldi-
nho para ir ao país e teria admi-
nistrado a produção dos docu-
mentos falsos pelos quais ele
está preso, começou sua carrei-
ra como uma humilde secretá-
ria. Hoje, movimenta milhões
de dólares e é investigada por
lavagem de dinheiro.
Quando o rosto de Dalia Ló-
pez Troche, uma “empresária
nacional e internacional”, co-
mo ela se apresenta, começou
a inundar as notícias da mídia
paraguaia, em Santa Rosa del
Mbutuy, pequeno distrito ru-
ral no departamento de Caa-
guazú, a cerca de 180 km de As-
sunção, todos estranharam.
Ninguém entendeu como as
propriedades da mulher cresce-
ram tanto. A humilde casa de
seus pais se tornou uma man-
são inteira não muito longe do
centro da cidade. Meses atrás,
a liga de futebol Santarroseña
testemunhou o dia em que Da-
lia pousou no campo de fute-
bol em um helicóptero para en-
tregar cerca de R$ 20 mil a um
time local que tinha proble-
mas econômicos. O time aca-
bou campeão.
Dalia começou em 1998 co-
mo secretária em uma clínica
particular no distrito de Gene-
ral Aquino, a 300 quilômetros
de Assunção, região conhecida
pelas numerosas plantações
de maconha. Em 2011, 13 anos
depois, ela já havia se tornado
acionista principal da empresa
Permanent Oriental Holding
S.A., fundada com capital no
valor de 1 bilhão de guaranis
(cerca de R$ 700 mil), a partir
de uma parceria com Luis Al-
berto Gauto Cano, alguém que
também “surgiu do nada” para
ser o outro acionista. De acor-
do com dados da Alfândega,
Gauto é um dos principais im-
portadores de mercadorias da
China para o Paraguai.
Em 2019, Dalia López estabe-
leceu a Fundação da Fraterni-
dade Angélica, responsável pe-
lo convite a Ronaldinho. Não
existem muitas informações
sobre a entidade. Dalia e Gau-
to foram duas das dez pessoas
que entraram na sala vip do ae-
roporto Silvio Pettirossi, aluga-
da para receber Ronaldinho e
comitiva. A conta de quase R$
1 mil foi paga pela fundação.
Quando o escândalo estou-
rou, vários casos de doações
milionárias de López Troche
vieram à tona. Ela doou aproxi-
madamente R$ 70 mil ao Cen-
tro de Volantes Santanianos. A
página oficial da organização
Miss Paraguai anunciou dias
atrás que López fez a doação
de “um carro 0 km” para a ven-
cedora do concurso de beleza.
Dalia e Gauto já estavam na
mira de instituições de contro-
le do Paraguai. O vice-minis-
tro da Tributação, Óscar Orué,
revelou investigação de seis
meses sobre suposta sonega-
ção de impostos e lavagem de
dinheiro nas empresas relacio-
nadas a Dalia, que movimenta-
ram cerca de US$ 10 milhões
nos últimos cinco anos.
Dalia López parece ter estrei-
ta relação com o presidente da
República, Mario Abdo Bení-
tez. Isso é revelado por um ví-
deo postado no YouTube, re-
movido dias após o escândalo.
E fotos dela com o ex-presiden-
te paraguaio Horacio Cartes fo-
ram exigidas pelo sistema judi-
ciário brasileiro para fazer par-
te das investigações sobre o es-
quema criminal de Darío Mes-
ser, mais conhecido como “do-
leiro dos doleiros”. / J.C.L.
Juiz mantém Ronaldinho no presídio
PROPOSTA RECUSADA
Ministro brasileiro pede
informações, mas diz
prezar a soberania do
Paraguai; no país, político
ligado a empresária cai
Politização do caso
envolve Moro e
demissão de assessor
Quartel onde Ronaldinho
está preso também
abriga cartolas acusados
de lavagem de dinheiro
e líderes terroristas
Prisão tem membros do PCC e CV
e foi local de torturas na ditadura
Em 13 anos, responsável
pela ida de Ronaldinho ao
Paraguai, passou de
secretária a milionária e
já vinha sendo investigada
Dalia López Troche,
a empresária por
trás do escândalo
GLORIA FERRES/EFE
Relações perigosas. Dalia
é próxima a gente influente
R$ 4 milhões
é o valor do imóvel oferecido
como garantia para que
Ronaldinho e Assis pudessem
passar à prisão domiciliar