O Estado de São Paulo (2020-03-11)

(Antfer) #1

Ubiratan Brasil


Antes de entrar no auditório, o


público inicia a imersão ao tes-


tar sua sorte no Roletrando (gi-


rando o pião) ou seus sonhos na


Porta da Esperança. São duas


atividades lúdicas que servem


como aquecimento para Silvio


Santos Vem Aí!, musical que traz


um recorte na vida do apresen-


tador e empresário mais conhe-


cido do País e que estreia na sex-


ta-feira, 13, no 033 Rooftop do


Teatro Santander.


“Queremos que as pessoas já


entrem no clima da gravação de


um programa do Sílvio”, conta


Marília de Toledo, produtora da


peça além de assinar o roteiro ao


lado de Emilio Boechat. “Quan-


do entrarem na sala de espetácu-


lo, os espectadores terão a real


sensação de estar em um estú-


dio do SBT, preparando-se para


a gravação de um programa.”


De fato, como se trata de um


amplo espaço sem cadeiras e


palco fixos, o Rooftop oferece


condições versáteis para as pro-


duções montarem seus cená-


rios de formas pouco conven-


cionais. Foi assim, por exem-


plo, com Natasha, Pierre e o


Grande Cometa de 1812 que, em


2018, utilizou um palco sinuo-


so, com o público ao redor, e


também Zorro – Nasce uma Len-


da (2019), com as pessoas insta-


ladas em mesas e os atores circu-


lando ao redor.


Em Silvio Santos Vem Aí!, o es-


pírito é o mesmo: depois de aco-


modados em cadeiras em for-


mato de um auditório, os espec-


tadores são convidados a “en-


trar no clima”: como acontece


de fato, o famoso Roque (Ro-


quildes Junior) orienta as “cole-


gas de trabalho” a como se por-


tar durante a gravação: desde le-
vantar pompons até reagir se-

gundo as placas de “aplausos” e


“vaias”. Plateia preparada, uma


voz anuncia o início da grava-


ção do programa que começa


com a entrada de Silvio Santos


(Velson D’Souza).


“Tudo foi criado em busca de


uma aproximação com a realida-


de, mas o espetáculo tem uma


plasticidade própria”, informa


Fernanda Chamma, responsável


pela direção, junto de Marília. “E


sempre evitamos a caricatura: os


atores representam figuras reais,


mas buscam o aspecto humano –


não é um show de imitação.”


Tal detalhe confere mais sofis-


ticação ao musical, conforme o


Estado constatou ao assistir a


um ensaio: ao longo da peça,


acontece um desfile de figuras


que são associadas a Silvio San-


tos e, se são reconhecíveis ao pri-


meiro gesto, elas não desabam
na caricatura. “Todos fizemos

muitas pesquisas de seus perso-


nagens, buscando detalhes mais


profundos que não apenas o


apresentados na TV”, comenta


Ivan Parente, cujo ligeiro entor-


tar de boca, aliado a uma vasta


cabeleira encaracolada, se trans-


forma em Pedro de Lara, um dos


mais conhecidos jurados da ban-


cada do apresentador.


“Todos já eram um tanto cari-


catos, assim não se pode exage-


rar para não despersonalizar.


No Pedro de Lara, por exemplo,


busquei o lado mais terno, que
se escondia por trás das explo-

sões que ele tinha com a pla-


teia”, continua Parente.


Outra atuação que desperta


atenção é a de Diego Montez


que, entre outros papéis, vive o


de seu pai, o cantor e jurado


Wagner Montes (1954-2019) –


Giselle Lima interpreta sua


mãe, Sônia Lima. “Foi emocio-


nante fazer a pesquisa de suas


canções e também relembrar a


forma como ele falava”, conta o


ator que, inclusive, reproduz o


andar dificultado do pai.


Boa parte do elenco é forma-


da por jovens, ou seja, a maioria


não viu na TV os personagens


que interpreta. “Eu me baseei


em muitos vídeos do programa


Praça da Alegria e, principal-


mente, de entrevistas do come-


diante Roni Rios”, explica Adria-


no Tunes que, além do cantor
Nahim, eterno vencedor do qua-

dro Qual é a Música?, vive essa


que foi uma das figuras mais


queridas do humor brasileiro: a


Velha da Praça. “É uma delícia,


pois ela é muito querida, mas é


preciso cuidado pois o limite do


exagerado está por perto.”


A composição que mais exi-


giu cuidado, no entanto, foi a de


Velson D’Souza. Aos 35 anos,


ele praticamente não sai de ce-


na pois vive Silvio Santos. O


tempo em que trabalhou próxi-


mo do apresentador ajudou –


participou de novelas do SBT co-


mo Cristal, Revelação e Vende-se
Um Véu de Noiva, período em

que seu camarim e de outros ato-


res era, às vezes, visitado por Sil-


vio. “Nesses instantes, era possí-


vel ver como ele era de forma


mais relaxada, sem ser a figura


do apresentador.”


Silvio Santos Vem Aí! não é


uma biografia tradicional. “A


trama não é cronológica, mas


narrada ao sabor dos devaneios


dele”, conta Marília, diretora-


geral e sócia da Paris Cultural,


braço teatral da Paris Filmes e


que inicia suas atividades com


esse espetáculo. Assim, a histó-


ria começa com a gravação do


programa quando, em um deter-


minado momento, Silvio sente


problemas na voz. É um assun-


to delicado e ele acaba interna-


do em um hospital – em 1986, o


apresentador foi realmente hos-


pitalizado com quadro de arrit-
mia cardíaca. Na peça, depois

de anestesiado, Silvio passa a de-


lirar e a sonhar com seu passa-


do, momento em que a monta-


gem retorna para 1945, quando


ele tinha apenas 15 anos, inician-


do um flashback.


A história não chega aos dias


atuais, encerrando na década de



  1. Assim, preventivamente,


os autores evitam os anos recen-


tes, quando Silvio Santos foi as-


sunto em noticiários por mani-


festações condenáveis (leia mais


abaixo). O apresentador, aliás,


não participou da concepção do
espetáculo, apenas liberando

sua produção quando conversou


com Marília e Fernanda, no SBT.


“Estamos acertando com a


produção do Silvio uma data, en-


tre abril e maio, para uma apre-


sentação exclusiva para a famí-


lia Abravanel”, conta Marília


que, no processo de escrita com


Boechat, utilizou a música co-


mo fio condutor da história, o


que permitiu uma liberdade es-


tética. “Conhecemos bem os


personagens ligados ao Silvio,


além dos ritmos e canções que


acompanharam sua trajetória.”


Ela ainda se emociona quando


Vinicius Loyola entra em cena,


na pele de Gugu Liberato. “Va-


mos convidar personagens da-


quela época e ele tinha confir-


mado”, lamenta-se.


lCiente da reação negativa que


Silvio Santos provoca em uma


parcela dos espectadores (espe-


cialmente depois de o apresenta-


dor não premiar uma candidata


negra em seu programa, em de-


zembro), a produtora e roteirista


Marília Toledo encomendou uma


pesquisa para medir o nível de


aprovação de seu personagem


principal.


O resultado foi reconfortante:


“Percebemos que a aprovação é


grande também entre os jovens


que, curiosamente, passaram a


conhecer melhor o Silvio a partir


dessas notícias”, comentou.


Apesar da reação irada de al-


guns internautas, os produtores


não esperam manifestações na


porta do teatro, de pessoas ten-


tando desanimar a entrada dos


espectadores – situação que


aconteceu em 2014, quando es-


treou Jesus Cristo Superstar.


Naquele ano, um grupo de 40


pessoas se posicionou na entrada


do teatro (que ficava no Complexo


Ohtake Cultural) antes das ses-


sões, protestando contra o teor


do espetáculo, que apresentava o


que eles apontavam como blasfe-


mo: considerar o Filho de Deus


um ser humano normal. Os religio-


sos gritaram palavras de ordem


alternadas com orações. / U.B.


‘Timbre da voz


diferencia o


apresentador’


Teatro. Trajetória do apresentador e empresário, do início em 1945 até a década de 1990, é tema de ‘Silvio Santos Vem Aí!’


Serviço


Pesquisa mostra


aprovação de Silvio,


apesar de protestos


lComo foi o processo de cons-


trução do personagem?


Procurei mostrar o Silvio apre-


sentador, com seu gestual típi-


co, e o homem comum, que


não imposta tanto a voz nem


se movimenta tanto. Aliás, foi


pelo timbre que encontrei a


diferenciação.


lFale mais do gestual.


Tem a questão da mão, que é


muito presente, toda aquela


postura altiva e elegante do


Silvio. Eu acho que temos que


entender isso e atravessar.


Quando ele era jovem, prova-
velmente não era igual ao que

é hoje. Mas temos que fazer


algo que lembre como ele é


nos dias atuais.


lEstá preparado para alguma


reação da plateia?


Sim, tudo pode acontecer. Te-


mos preparadas algumas situa-


ções de improviso. E, caso al-


guma fã venha abraçar, o nos-


so Roque vai me ajudar. / U.B.


Velson D’Souza


ATOR QUE VIVE SILVIO SANTOS


ENTREVISTA


Ícones. Hebe (Daniela Cury), Velha Surda (Adriano Tunes) e Manoel de Nóbrega (Roney Facchini)


FOTOS ALEX SILVA/ESTADÃO

Musical se inspira em Silvio Santos


Elenco. Um conjunto de 24 atores com experiência teatral: ‘Mais que cantar e dançar, eles sabem interpretar’, reforçou a diretora Fernanda Chamma


SILVIO SANTOS VEM AÍ!
033 ROOFTOP. TEATRO SANTANDER

AV. PRES. JUSCELINO KUBITSCHEK, 2.041.

6ª, 20H30. SÁB., 15H30 E 20H30. DOM., 15H

E 20H. R$ 75 / R$ 180. ATÉ 17/5

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O ESTADO DE S. PAULO QUARTA-FEIRA, 11 DE MARÇO DE 2020 Caderno 2 C3

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