Valor - Eu & Fim de Semana (2020-03-13)

(Antfer) #1
Sexta-feira,13demarçode2020|Valor| 31

MÚSICA


Uma ‘big


band’na


Amazônia


Maestro português Rui


Carvalhocomanda,em


Manaus,a 10


a
ediçãodo

Festival AmazonasJazz.


PorCarlosCalado, para


o Valor, de São Paulo


DIVULGAÇÃO

O portuguêsRui Carvalhoé regentee arranjadordaAmazonasBand,‘bigband’deManaus(AM),ondedirigeo Festival AmazonasJazz

Q

uandodesembarcouem São
Paulo,em1978,ojovemmú-
sico portuguêsRui Carvalho
não imaginavaque viveria
nestepaís por maisde quatrodéca-
das. Muitomenosque se tornariare-
gente e arranjador da Amazonas
Band,a conceituada“bigband”de
Manaus(AM),ondetambémdirigeo
FestivalAmazonasJazz, um dos prin-
cipaiseventosdessegêneronoBrasil.
“A vidaécomoelaé,nãooqueagente
imagina”,dizomaestrode65anos.Nas-
cido em Lisboa,ele se interessou pelos
improvisos do jazzainda na adolescên-
cia. Ficava acordado até ameia-noite
parapoderouvir oprogramadiário
“CincoMinutosdeJazz”,queoradialista
José Duarte, pioneiro divulgador dessa
vertente musical em Portugal, produze
apresentadesde1966.
Carvalhotambémselembradecomo
ficouimpressionado ao ver e ouvirMi-
les Davis, na TV portuguesa,no início
dos anos1970.O trompetista america-
no provocou os fãs e críticos mais con-
servadores, na época, por ter eletrifica-
doseujazz.“Mileschamouminhaaten-
ção não apenas pela música, mas tam-
bémpelo layout de seu grupo.Tinha
muitoa ver com aminha geração,com
orock‘n’blues,comasoulmusic,coma
contraculturadofinaldosanos1960.”
Antes de se radicar no Brasil, Carva-
lho tambémmorouna Suécia —solu-
çãoqueencontrouparafugirdoserviço
militar obrigatório, na época em que
Portugal travava umaguerra contra


suas antigascolônias na África. “A Sué-
cia era um dos poucospaísesna Europa
que concediam asilo por razõeshuma-
nitárias”, diz. Se ficasse em Portugal, te-
ria duasopções: ser soldado em uma
guerraabsurdaouirparaaprisão.
Na pequenacidadesuecade Lund,ele
dividiao aluguelcom músicosde uma
bandade rock. “Era tudo o que eu queria:
morava com um bandode americanos
desertoresdaGuerradoVietnãetinhaau-
las de bateriacom um deles.Abateriajá
ficavamontadanasaladacasa”, relembra,
rindo. Alémde iniciarseus estudosmusi-
cais, tambémaproveitouos seis anosna
Suéciaparaseformaremantropologia.
A vontadede voltara falar português,
no dia a dia, pesouna decisãode deixara
Europa.“O Brasilsempreexerceuum cer-
to fascíniosobremim.Eu já tinhainteres-
se pela músicabrasileira,mas depoisde
ouvir‘DançadasCabeças’,discodeEgber-
to Gismontie NanáVasconcelos,minha
vontadede conhecermaisa músicae a
culturabrasileiraaumentou.”
Já vivendoem São Paulo,no iníciodos
anos 1980,Carvalhoassumiua bateriada
SaladaMista,orquestrada Fundaçãodas
Artesde São Caetanodo Sul. Ali se tornou
discípulode AntonioDuran,maestroe
arranjadorargentinobastanterespeitado
nos círculosmusicais,que oincentivoua

se aprofundarem regênciae arranjospa-
ra“bigbands”.“Aprendimuitocomele.”
Disciplinadoe persistente, Carvalho
lecionou bateria, percussãosinfônica e
prática de “big band”durante 14 anos,
noConservatóriodeTatuí(SP).Nessafa-
se tambémregeu e escreveu arranjos
para a “big band”Pratada Casa, traba-
lhoquerepercutiunosmeiosdamúsica
instrumental brasileira. Deixou São
Paulo em 2001,ao aceitaro desafio de
assumiraregênciadaAmazonasBand.
“A princípio eu deveria ter ficado18
mesesemManaus,maslávãomaisde18
anos”, comenta omaestro, consciente
dolegadomusicalquetemconstruídoà
frente da “big band”.Alémde fazer con-
certosregulares,já lançoudois discos
comaAmazonas Band,em parcerias
comcraquesda música instrumental:
numdeles,osaxofonistaViníciusDorin;
nooutro,opianistaGilsonPeranzzettae
o flautistaMauroSenise. Também já di-
vidiupalcoscomgrandesmúsicosdoja-
zz, comoDavid Liebman,Bob Mintzer,
CláudioRoditieJeremyPelt.
“Uma‘bigband’sustentadapeloEsta-
do,quefazsucesso,écoisarara”, comen-
ta. “A AmazonasBand resultou muito
bem porquenão tem apenasum viés de
palco—elatambémtemumviéseduca-
cional. Todos os músicos da bandasão

muitoativosecontribuíram bastante
para desenvolveraeducação, no campo
damúsicapopular,aquiemManaus.”
Carvalho não esconde sua animação
pela retomadado Festival Amazonas Ja-
zz, evento que criou ecomandoudesde
a ediçãode estreia, em 2006.Suspenso
há cinco anos,esse festival vai realizar
sua 10aedição, de 21 a29 de março, em
Manaus. A programaçãosegueoforma-
todeanosanteriores,quecombinacon-
certos noturnos com uma extensa série
deworkshops,oficinasepalestras.
Os trompetistas Randy Breckere
KeyonHarrold, os pianistas Aaron Parks
eEdsel Gomez, obaterista Jeff “Tain”
Watts, o trombonistaJohn Fedchock e o
saxofonistaFrodeGjerstadsão desta-
ques entreos concertos agendados para
o imponenteTeatro Amazonas. Tam-
bémdeprimeiralinha,oelencobrasilei-
ro inclui o Trio Corrente,o AmiltonGo-
doy Trio, Marcelo Coelho& McLav.in, o
DanielD’Alcântara Quinteto, Leila Pi-
nheiroeAmazonasBand,entreoutros.
“Nãoimaginava que viveriapor tanto
tempoem Manaus.Tambémnuncaima-
gineique fossedirigir‘big bands’, mas
acabeime apaixonandopor elas. Parece
quaseumsonho”, dizCarvalho,quevaire-
ger a AmazonasBandnas noitesde aber-
turaedeencerramentodofestival.■
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