JornalValor--- Página 4 da edição"16/03/20201a CADA" ---- Impressa por RCalheiros às 15/03/2020@20:34: 21
A4| Valor|Sábado,domingoe segunda-feira, 14, 15 e 16 de marçode 2020
Brasil
ConjunturaCombinaçãodeveacelerarredução
desuperávitcomercialjáesperadaparaesteano
Pandemia e queda
de petróleo vão
reduzir exportações
Castro, daAEB,nãodescartapossibilidadededéficitcomercialcasoa criseseestendaalémdoprimeiro semestre
LEO PINHEIRO/VALOR
MartaWatanabe
De São Paulo
O impactonegativo resultante
do avanço do coronavírus e da
quedadepreçosdopetróleodeve
reduzirasexportaçõesbrasileiras
em 2020, encolhendotambém o
superávit comercial projetado
inicialmenteparaesteano.
WelberBarral,ex-secretáriode
ComércioExterior, lembraque já
se esperava para 2020 umaque-
dadesuperávitemrelaçãoaosal-
do positivode US$ 48 bilhõesdo
ano passado.Com oagravamen-
to do cenáriointernacional, a
quedadeveseraindamaiorquea
projetadanoiníciodoano.
José Augusto de Castro,presi-
dente da Associação de Comércio
Exterior do Brasil (AEB), diz que
não descarta apossibilidade de
déficit comercialem 2020caso a
crise se estendaalémdo primeiro
semestre. AAEB já projetava supe-
rávit considerado conservador pa-
ra este ano, de US$ 26 bilhões. As
estimativas ainda não foram revi-
sadas porque a duração da crise e
magnitudede seusefeitos sobre
preçosevolumes de exportação
são consideradas ainda incertas. A
maisrecente edição do Focus, bo-
letimdivulgado pelo Banco Cen-
tralcom as expectativas de merca-
do,indica projeção de US$ 36,
bilhões de superávit comercial pa-
ra 2020, na mediana.
Aexportação de commodities,
diz Barral, deve sofrer forteimpac-
to nesteano, em razãode queda
tantodepreçosquantodevolume.
“A quebra do acordo entre Rússia e
Arábia Saudita traz um risco adi-
cionalaoquadro,dadaaparticipa-
ção cada vez maiordo petróleo na
pautadeexportaçãobrasileira.”
Segundo dadosda Secretaria de
Comércio Exterior (Secex), de 2009
para oano passado,aparticipação
de soja, petróleo eminério de ferro
—astrêsprincipaiscommoditiesex-
portadaspelo Brasil —subiu, no
conjunto, de 22,12%para 32,37% do
valortotalembarcado. Afatiadope-
tróleoavançouemvelocidademaior
que os outrosdois produtos,de
5,99%para 10,74% do embarqueto-
tal em igual período.Odado, diz
Barral, representa importante dife-
rençaentre os possíveisefeitosda
desvalorização cambial na década
de 80 eos de hoje. Naquele período,
a desvalorizaçãoalavancou as ven-
das externas, segundo ele, mas a re-
presentatividadedas commodities
naexportaçãoeramuitomenor.
Castrotem opiniãosemelhan-
te. Ele destacaque os dadosda
balançada primeirasemanade
marçojá mostramquedade pre-
ços de exportação de petróleoe
soja, e tudoindicaque isso vai se
intensificar. O minériode ferro
aindaapresentaaumentodepre-
ços, mas as quantidades deverão
serafetadas,observaCastro.
Mesmoemrelaçãoaosmanufatu-
rados, o câmbio não deve contribuir
tão positivamente, diz Barral. Num
ambientede grandeoscilação,é
muito difícil ao exportador estabe-
leceros preços porquenão se sabe
até quando o nível do dólarse sus-
tentará, segundoele. Barrallembra
que em produtos com ciclos de pro-
duçãomais longos esse problemase
acentua. “O exportador vai estabele-
ceropreçodeleparadaquiaumano
com dólar aR$4,40 ou R$ 4,50 enão
R$ 4,80 ou mais, porque o risco é
muitogrande.”
Coma queda de demandaes-
perada,diz Castro,haverá tam-
bémaumento de concorrência
no fornecimento de produtos in-
dustrializados,comnaturalredu-
ção de preços. Além disso, ressal-
ta ele, os mercados tradicionais
do Brasil para produtos manufa-
turados, os países da América La-
tina, também são exportadores
decommodities.Ouseja,serãoda
mesmaformaafetadospelocená-
rio global de queda de preços e
volumese terão menor capacida-
de paraabsorverimportações. E
paraaArgentina,maisespecifica-
mente,não há perspectiva de re-
cuperação econômicaacurto
prazo,algo que fica mais dificul-
tadoaindacom oatual agrava-
mentodocenáriointernacional.
Aquedanas importações, po-
rém, dependendo da magnitude,
poderãoneutralizar oefeitode
redução dasexportações no sal-
do comercialdo ano. O econo-
mistaSilvioCamposNeto,daTen-
dências, diz que a consultoria re-
visou os dados de balança na se-
manapassada.Asexportaçõesfo-
ram revisadas em razão do coro-
navírus, mas ainda não está con-
templadaa queda de preços de
petróleo destasemana. Segundo
Campos Neto, ochoque de de-
manda em razão do coronavírus
deve afetar volumes embarcados
e principalmente reduzir preços
de exportação. Com isso,aproje-
ção de exportação da consultoria
para 2020 caiu de US$222,8 bi-
lhõesparaUS$218,8bilhões.
As importações, explica oeco-
nomista,foramrevisadastambém,
principalmente porque indicado-
res têmrevelado recuperaçãoeco-
nômicamais lenta esteano do que
inicialmentese esperava. A proje-
ção da Tendências de elevaçãode
PIBparaoanofoireduzidade2,1%
para1,6%. Ademandadoméstica
por compras externas podesofrer
impactoadicional em razão da
desvalorizaçãocambial, diz Cam-
pos Neto. Aestimativa das impor-
taçõesbrasileirasparaoanoforam
reduzidasdeUS$185,4bilhõespa-
ra US$ 180,7 bilhões.Como houve
reduçãonas duaspontaseum
poucomaiornas importações,diz
Campos Neto, houve aumento na
projeção de superávit comercial
para este ano, de US$ 37,4 bilhões
paraUS$38,1bilhões.
IMPACTOSDO
CORONAVÍRUS
Indústriademenorporte
deSPvaiprecisardemais
capitaldegiro, dizsetor
AnaConceição
De São Paulo
Amicro e apequenaindústria
vão precisarde maioracessoa
créditopara capitalde giro para
passarpela crisedo coronavírus.
Commenoscanaisde financia-
mentoque as médias e grandes
empresas,asMPIsestãomaissus-
cetíveisa problemasde liquidez
em um cenáriode crise de oferta
e demanda comooatual. Em fe-
vereiro, cercade 40% dessasem-
presasnão tinhamrecursossufi-
cientesparasuprirsuas necessi-
dades,segundopesquisadoSim-
pi, sindicatoque reúne o setor
em São Paulo.Essepercentualvai
aumentar, afirma JosephCouri,
presidentedaentidade.
NoEstado,asmicroepequenas
empresasdeváriossegmentosin-
dustriaisrelataminterrupçõesno
fornecimento de matérias-pri-
masque vêm da Ásia etambém
uma demanda aquém da espera-
da. “Comesses problemas, as mi-
cro e pequenas fatalmente terão
problemasde liquidez. Precisa-
rão de crédito com mais prazo e
melhorescondições.”
Couridiz queiniciativas como
as do governo do Estado de São
Paulo,que liberou R$ 225 milhões
por meio do Bancodo Povo e da
DesenvolveSP,eda Caixa, que
anunciou R$ 75 bilhões para capi-
taldegirovãonadireçãocerta.
“Masnão é suficiente.Épreciso
ter medidas realmente direciona-
das a quemmais precisa”, acredita
o dirigente, que aponta para a ne-
cessidade de taxasde juros mais
baixas nos empréstimos. De acor-
docomamaisrecentepesquisado
Simpi,aaltataxadejuroséhistori-
camente um impeditivo paraas
microepequenas. Afaltadelinhas
adequadas ao tamanhodo negó-
cio tem sido a segunda principal
dificuldade. Dasmicro epequenas
indústrias que pediram emprésti-
mos em fevereiro, 59% não conse-
guiram. Outramedidaque benefi-
ciaria osetor seriaaprorrogação
extraordinária do vencimento de
impostos,dizCouri.
Segundo ele, odesabasteci-
mentotemsidogeneralizadoen-
tre os segmentosindustriais,o
que deveafetara produçãodas
microepequenas indústriasao
menosnestetrimestre.Há pro-
blemasnos segmentosde emba-
lagens,componentesdos mais
variados tipos,material para
construção, metalúrgicos, quí-
micos,plásticos,cerâmicos.
“Todosos que fizeramomovi-
mento de passar abuscar insumos
no exterior têm tido problemas.
Alémdisso,adepreciação do câm-
biofoiapádecalsobreosetor.”
O presidentedo Simpidiz que
a entidadeaindanão tem um le-
vantamentoda proporçãodo se-
tor atingida.A previsãoda volta
ao normalno fornecimentode
insumoséde60a90dias.
Em fevereiro, apesquisabi-
mestraldo Indicadorde Ativida-
de da MicroePequenaIndústria,
encomendadapelo Simpiao Da-
tafolha,mostrava um setorum
poucomaisotimistacom aeco-
nomia,mas preocupado como
aumentode custose com um pé
atrásnosinvestimentos.
“Os resultadosrelacionadosa
investimentos e custosdemons-
tramqueaindústriaaindanãose
recuperoudacrise”, dizCouri.
O índicebimestralque medea
satisfaçãodas microepequenas
indústriascomaeconomiaal-
cançou98 pontosem fevereiro,
melhorresultadodesdeoinício
de 2014.Mas o indicadorde in-
vestimentos,que apurase aem-
presafezalgumtipodeaporteno
mêsanterior,teveamenormarca
paraomêsdesde2013,quandoa
pesquisacomeçoua ser feita.Fo-
ram 21 pontos, ante 31 no mes-
moperíodode2019.
Já o índicede custosfechouo
mês em 112 pontos,o que signi-
fica que mais empresas estão
sendoafetadas por altassignifi-
cativasnoscustos.
Couridiz que, neste momento,
é difícil avaliarcommaisexati-
dão o impacto da epidemia na
produção da micro e pequena in-
dústria no país.“Há muitas variá-
veis.Não sabemos sevaidar adis-
seminação,se fábricasprecisarão
parar,oque ogoverno pretende
fazer”, diz. Mas ocenário preocu-
pa e osetor podeter outroano de
resultadosfracos,comoem2019.
Empresas francesas monitoram crise
e veem próximos dias como decisivos
AnaïsFernandes
De São Paulo
As empresas francesasno Bra-
sil estãocom o “modo crise”
acionado, acompanhandode
pertoos desdobramentosdo co-
ronavírus no país, de acordo
comStephane Engelhard,vice-
presidente do Carrefour e novo
presidente da Câmara de Co-
mércio França-Brasil (CCIFB-SP).
Além do cancelamento de
eventos,a tendênciaé maiscom-
panhias recomendarem home
officeaos funcionários—oque
podefuncionar,“mas éuma lo-
gística muito maiscomplexa”,
afirma Engelhard,que assumea
presidência da CCIFBamanhã.
“Pode ser até que tenhaalgumas
companhias fechandotempora-
riamente.Nossasempresasestão
comcélulasdecriseativadas,boa
parte monitorandocom grupos
intensosqueolhamsóparaisso.”
Para grandes varejistas, por
exemplo,existeorisco de queda
noconsumo,casopessoasoptem
pelo autoisolamento. Engelhard
diz que os reflexosaindanão
chegaramde formaexpressiva
aos consumidores,mas os próxi-
mosdiasserão“muitoimportan-
tes para entendero que vai acon-
tecer”. Por ora, as empresas asso-
ciadasà CCIFBmaisafetadassão
aquelas ligadasa setoresde via-
gem eeventos, que,nas palavras
doexecutivo,estão“sinistradas”.
Questionado se companhias
francesas estão preparadas para
lidar com choques ou se precisa-
rão de ajuda do governo brasilei-
ro, Engelhard disse que aindaé
“muito cedopara dizer”eque de-
penderá do cenário.Ele lembra
queociclodocoronavírusnoBra-
sil está “defasado” em relação a
outros países. “Está chegando
aqui, com certeza vai crescer esse
número de portadores,mas é
muitodifícildizeroquevaiacon-
tecer.OBrasilestá na fase um. Se
passar para a três, aí estará no
modelo italiano, de fechar o país.
Não é o momento, mas é possível
que chegue. Se subir nas fases, o
governopode pedir, como na Eu-
ropa,parafecharcomércio.”
A crise podeter o efeitocolate-
ral de acelerara aprovaçãode re-
formasimportantes,avaliaEnge-
lhard. “Daquia pouconão tem
maisimportaçõesda China,nos-
sa fábricamundial.Vamoster,
provavelmente, queda de PIB
[ProdutoInternoBruto]no Bra-
sil”, diz. “Essasituaçãofavorece
melhorcomunicação entreogo-
vernoeoCongresso.”
A demora no andamento das
reformas já afetava a confiança
dos empresáriosfranceses antes
da pandemia. Apesquisa “Barô-
metro CCIFB -IPSOS”, realizada
comexecutivosdasassociadasno
segundo semestrede 2019, mos-
traque73%achavamqueesteano
seria melhorou muito melhor do
que2019,ante 81%napesquisa
feita em 2018, arespeito do ano
seguinte.Aparticipaçãodequem
acha que será igual subiu de 15%
para21%,enquantoosentrevista-
dos que citaram piora de cenário
passaramde4%para6%.
“O ano foi de chegadade um
novogoverno, havia expectati-
vas grandes. Ao longode 2019,
vê-seque começouaexistircerta
dúvida de algumas empresas so-
bre o governoecomoele pode
fazer votarreformas, acoisa en-
grenar”, afirma Engelhard. O
movimento, ele diz, é compreen-
sível.“Quandoa genteolha ofil-
me de 2019,tivemosa [reforma
da] Previdência, que foi aprova-
da, mas muitomaistardedo que
se imaginava. E agente vê a difi-
culdadede relação do governo
com oCongresso, isso cria certa
incerteza.”
Entreos riscos apontados para
ospróximosmesespelosempresá-
rios,estão anão aprovação das re-
formas (42%)eo aumento de ten-
sões políticas (41%).Dos entrevis-
tados, 89% mencionarama refor-
ma tributária comoum dos três
projetos maisimportantes para
seus negócios.“Só asimplificação
já ajudariamuito. Aempresa no
Brasil temdepartamentode tribu-
tos com 200 pessoas, na França faz
otrabalhocom dez.Amultiplici-
dadedeimpostosquetemnãodá”,
afirmaEngelhard.
Apesardisso,ele diz que o po-
tencial do mercado no Brasil
atraioempresáriofrancêseasre-
laçõesentre os paísessão sólidas
—aCCIFB-SPcompleta120 anos
no Brasil.“Independentemente
de governoA, BouC,empresas
francesas não deixaramde inves-
tir no país. Pode ser que os inves-
timentosse estabilizemem rela-
ção a2019, que foi recorde,mas
aindaseriavolumerelevante.”
Engelhard: expectativa comnovogovernofoi grande,masrelaçãocomCongressolevantadúvidassobre reformas
ANAPAULAPAIVA/VALOR