feria, os processos de descolonização da Áfri-
ca e da Ásia e as aspirações de protagonismo
da América Latina fizeram com que Estados
Unidos e União Soviética lutassem indireta-
mente por quase cinco décadas. Por vezes, seu
envolvimento era direto, como no caso dos
estadunidenses no Vietnã (1965-1975) ou dos
soviéticos no Afeganistão (1979-1989), mas
nunca direto um contra o outro.
A dualidade desse mundo bipolar terminou
não com uma disputa física no campo de ba-
talha, mas com uma revolução silenciosa que
corroeu as bases do sistema por dentro. As
manifestações dentro da chamada “Cortina de
Ferro” e o enfraquecimento do modelo de eco-
nomia planificada fizeram com que o maior
símbolo da Guerra Fria, o Muro de Berlim,
caísse no dia 9 de novembro de 1989. Depois,
e por fim, a própria União Soviética desmoro-
nou, desaparecendo na
noite de Natal de 1991.
Os Estados Unidos ga-
nharam da Rússia, mas
perderam a paz.
O FIM DA HISTÓRIA
E O INÍCIO DE OUTRA
Chegou-se a cogitar
que o fim da URSS se-
ria “o fim da história”. Inclusive, este é o título
de um livro do filósofo e economista norte-
-americano, Francis Fukuyama, em que o fim
do mundo bipolar levaria ao início da Era uni-
polar, em que os EUA reinam absolutos. Mas
e depois? A Rússia, este velho Estado, colapsou
economicamente, mas nunca foi batido no
campo de batalha. A transição do século 20
para o 21 não foi feliz para o país, mas a ascen-
são de Vladimir Putin na virada do milênio
mudou tudo.
Para além de ter estabilizado a questão eco-
nômica e controlado os conf litos internos –
como as Guerras da Chechênia (1994-2009) –,
Putin e seus aliados iniciaram um novo capí-
tulo na história russa. Chamado em tom pejo-
rativo por seus adversários de “o espião da
KGB” – o antigo serviço de inteligência da
URSS em que serviu até 1991 – o atual presi-
dente é muito mais que isso. O mandatário é
um estrategista que entende a situação do sé-
culo 21 como poucos. Até seus críticos reco-
nhecem que Putin “está um passo à frente, pois
governa à moda antiga”. Isso ajuda a explicar
o que acontece na Ucrânia atualmente.
Seria simplista pensar que tudo se resume
apenas a uma questão territorial ou mesmo ao
“delírio” de um homem. A receita empregada
agora é a mesma que gerações de líderes russos
utilizaram ao longo da história. Para os toma-
dores de decisão no Kremlin, o avanço da OTAN
- a organização militar do Ocidente na Guerra
Fria e que continuou após o fim do conf lito –
para as fronteiras russas e a proximidade de Kiev
com os EUA, é algo inadmissível. Ademais, a
Ucrânia se tornou independente apenas em 1991,
tendo uma longa história (por vezes conf litiva)
com a Rússia. Tudo é
muito recente e velhas
disputas ainda estão
sendo resolvidas.
Ao longo desta re-
portagem, vimos como
um país e seu povo fo-
ram sendo formados
por mais de mil anos de
conf litos. Foi possível
também perceber como a guerra é o grande ele-
mento definidor da política e como novos capí-
tulos começaram apenas depois da resolução dos
anteriores dentro de umo campo de batalha.
Hoje, não seria diferente. A Guerra Fria
terminou com os EUA como vencedores, mas
sem a derrota de fato da Rússia, que acumulou
armamento e munição ao longo de 50 anos
para um conf lito direto que nunca veio – uti-
lizando-os em pouco mais de seis meses de
beligerância na Ucrânia. Com o declínio dos
EUA como império hegemônico (a exemplo
de tantos que o antecederam), teve início a
disputa para ver quem será o novo protago-
nista da ordem internacional. E, como já nos
ensina a História, dentro de um campo de
batalha. Em pleno século 21, a guerra segue
moldando a sociedade.