O Estado de São Paulo (2020-03-23)

(Antfer) #1

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A8 Internacional SEGUNDA-FEIRA, 23 DE MARÇO DE 2020 O ESTADO DE S. PAULO


Fabiola Zerpa
THE WASHINGTON POST


O governo da Venezuela vai
fechar os postos de gasolina
em todo o país para preservar
o estoque de gasolina enquan-
to uma quarentena decreta-
da para conter o novo corona-
vírus paralisa o país, segundo
fontes.

Apenas algumas dezenas dos
1,8 mil postos da Petroleos de
Venezuela SA (PDVSA) em to-
do o país permanecerão aber-
tos, operados pelas Forças Ar-
madas para permitir o reabaste-
cimento de combustível de veí-
culos médicos, de carga e de uti-
lidade pública, de acordo com
as fontes, que pediram para não
serem identificadas, pois o pla-
no ainda não foi anunciado.
A jogada mais recente é um
passo além na decisão anterior
de militarizar as bombas de
combustível em pelo menos
três Estados. O fechamento
ocorre em um momento em


que o país chega a 70 casos con-
firmados da covid-19 em duas
semanas, número baixo, mas
crescente que desperta o medo
nos médicos, para quem o go-
verno do presidente Nicolás
Maduro estaria despreparado
para lidar com uma pandemia.
As entregas de gasolina fo-
ram pausadas no mês passado,
piorando uma situação de escas-
sez já existente que mantinha
os venezuelanos em filas por ho-
ras – e às vezes dias – para en-
cher o tanque.
Não se sabe ao certo se a capi-
tal seria incluída, disseram três
das fontes. O controle terceiri-
zado para empresas particula-
res pela PDVSA para a operação
dos postos seria cedido às For-
ças Armadas, disseram as fon-
tes. Representantes da PDVSA
e do Ministério da Defesa não
responderam às tentativas de
contato da reportagem.
A Venezuela, antes uma gigan-
te do petróleo, viu sua produ-
ção cair para 760 mil barris por

dia, e teve redução de 15% na
capacidade de refinamento em
decorrência de anos de adminis-
tração incompetente, corrup-
ção, falta de investimento e,
mais recentemente, sanções
dos Estados Unidos, impostas
pelo governo Donald Trump pa-
ra forçar uma mudança de go-
verno no país.
Os postos de combustível já
foram fechados em seis Esta-
dos da região norte do país.
Um pequeno número de bom-
bas de gasolina situados em im-
portantes estradas e vias da Ve-
nezuela segue aberto, e pessoas
sem licença especial são impedi-
das de abastecer. / TRADUÇÃO DE
AUGUSTO CALIL

Limpeza. Guarda Nacional Bolivariana lava ruas de Caracas com desinfetante para evitar proliferação do coronavírus

Para preservar o escasso estoque em meio à


pandemia, Forças Armadas terão o controle


Crise coloca em xeque jogo duplo de Bolsonaro com a China


l]
CLÁUDIA
TREVISAN

Ao responsabilizar Pequim pe-
la epidemia global, Eduardo
Bolsonaro se alinha a Trump,
que insiste em se referir ao co-
ronavírus como ‘vírus chinês’

Paul Duggan e
Rachel Weiner
THE WASHINGTON POST


Atrás de uma porta de metal
sem identificação em um par-
que industrial de Maryland, on-
de Kat O’Connor administra
sua loja de armas, caixas de mu-
nição estavam empilhadas nas
mesas no início da sexta-feira,
aguardando os clientes. Em
meio a essa pandemia e instabi-
lidade social, as balas para a de-
fesa do lar são consideradas por
alguns tão valiosas quanto os ro-
los de papel higiênico e desinfe-
tante, e igualmente escassas ho-
je em dia. Depois de uma pesqui-
sa com os distribuidores, Kat
conseguiu comprar 7 mil balas,
e a maioria seria vendida antes
do fim do dia.
“As balas de 9 milímetros es-


tão ali”, disse o ajudante de Kat,
Dave Fullarton, trazendo para
dentro da loja o primeiro clien-
te, um sujeito na casa dos 30
anos usando uma camiseta com
o logotipo de uma empresa de
construção. O homem sorriu,
aliviado: “Obrigado”.
Ele pegou quatro caixas de
cartuchos 9mm PMC Bronze,
um total de 200 balas, e 50 dos
cartuchos para escopeta calibre
12 de alta velocidade que a pró-
pria Kat produz.
Muitos compradores de ar-
mas parecem temer que o contá-
gio exponencial da Covid-19 re-
sulte em um período de escas-
sez dos gêneros essenciais com
furiosos despossuídos tentan-
do roubar o básico de quem ain-
da tiver algo na despensa e na
geladeira. O mais provável é
que os americanos consigam su-
perar a crise pacificamente. Se-
ja como for, muitos parecem
pensar que é melhor prevenir-
se agora do que lamentar.
De Phoenix até o interior do
Estado de Nova York, de Idaho
até o sul da Flórida, as lojas de
armas relataram um aumento

nas vendas na semana passada,
com clientes preocupados com
o futuro. Falando à reportagem
do Charlotte Observer , um co-
merciante da Carolina do Nor-
te disse: “Nosso novo lema é,
‘Dedicados a ajudar você na pro-
teção do seu papel higiênico’.”
O Sistema Nacional de Verifi-
cação Instantânea de Antece-
dentes Criminais disse ter res-
pondido a 2,8 milhões de con-
sultas a respeito de comprado-
res de armas no mês passado – o
terceiro maior total mensal des-
de a criação do sistema, em
1998, e uma alta em relação aos
2 milhões de consultas realiza-
das em fevereiro de 2019.
Com as multidões pratica-
mente esgotando o estoque de
armas de fogo e munição depois
que o presidente Donald
Trump declarou emergência na-
cional em razão do novo corona-
vírus, o total de compradores
de armas deste mês pode ser ain-
da maior.
Kat tem licença federal para
vender armas, documento co-
nhecido como FFL, mas não é
uma varejista de armamentos.

Ela atua como intermediária en-
tre compradores de Maryland e
vendedores de fora do Estado.
Quem mora em Rockville, Mary-
land, e encontra uma arma inte-
ressante na internet, deve solici-
tar que ela seja enviada a Kat, da
TK Defense, e ela concluirá a
venda mediante uma comissão.
E ela não costuma vender mu-
nição, a não ser os cartuchos de

escopeta que fabrica. Mas não
estamos vivendo tempos nor-
mais. “O telefone tem tocado
literalmente a cada cinco minu-
tos. Eles compram qualquer coi-
sa.”
Fullarton, de 55 anos, acenava
contente, como se o país estives-
se finalmente acordando para a
necessidade do porte de arma.
“Agora, começaram a imaginar:

e se acontecer o impensável? Es-
tão armazenando comida, água
e papel higiênico, e percebendo
que precisam se proteger para o
caso do colapso da sociedade.”
Na Virgínia, Martin Orenge,
administrador da Dominion
Arms, em Manassas, disse que a
loja tem dificuldade para acom-
panhar a demanda. “Não consi-
go manter meu estoque”, disse
Orenge. Enquanto isso, na loja,
os clientes têm respeitado as re-
gras de distanciamento social e
usam o desinfetante para as
mãos que ele mantém na loja.
A cerca de 25 quilômetros da-
li, no Vienna Arsenal, os vende-
dores usavam luvas de proteção
na quinta- feira, mas o distancia-
mento social era impossível,
pois a loja estava lotada.
Um cliente de 59 anos chama-
do James não quis revelar o no-
me completo para não revelar
ao público seus preparativos pa-
ra o possível colapso da ordem
civil. “Quero dispor de meios
para proteger minha família”,
declarou.
No fim do horário comercial
na sexta-feira, na TK Defense,
cerca de 30 clientes tinham
comprado a maior parte da mu-
nição que Kat conseguiu juntar.
/ TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

Venezuela


fecha postos


de gasolina


por doença


A


reação acima do tom dos chine-
ses aos tuítes de Eduardo Bol-
sonaro indicam que Pequim se
cansou do jogo duplo adotado pelo
governo brasileiro diante das duas
maiores economias do mundo: man-
ter inalterada as relações econômicas
com a China e, ao mesmo tempo, pro-
fessar fidelidade ideológica a Donald
Trump.
A crise global do coronavírus ele-
vou a patamares preocupantes as ten-
sões entre Pequim e Washington, que
foram agravadas pela expulsão inédi-

ta de 13 jornalistas americanos da Chi-
na na semana passada. O presidente
dos EUA claramente escolheu a Chi-
na como o inimigo externo no mo-
mento em que a realidade revela a ir-
responsabilidade de sua posição ini-
cial de minimizar o impacto do coro-
navírus em seu país.
Ao responsabilizar a China pela epi-
demia global, Eduardo se alinha a
Trump, que insiste em se referir ao
coronavírus como “vírus chinês”. A
prática contraria orientação da Orga-
nização Mundial de Saúde (OMS) pa-
ra que se evite vincular epidemias a
grupos específicos, que podem se tor-
nar vítimas de discriminação.
O Brasil não precisa nem deve esco-
lher nenhum dos lados na disputa en-
tre EUA e China, e pode manter uma
saudável equidistância e sobriedade,
o que atende aos interesses do País.
Não há dúvida de que o Partido Comu-
nista Chinês cometeu uma série de
erros nas semanas iniciais da epide-
mia. Os mais graves foram a supres-

são de informações sobre o novo ví-
rus e a demora em adotar medidas
drásticas para combatê-lo.
Mas comparar a situação ao desas-
tre soviético de Chernobyl e decretar
que “a culpa é da China”, como fez
Eduardo, não ajuda em nada no en-
frentamento da imensa crise sanitá-
ria que atinge o Brasil, na qual o auxí-
lio de Pequim pode ser necessário.
“O atual governo brasileiro é um
seguidor próximo do governo Trump
do ponto de vista ideológico, mas eles
são oportunistas e hipócritas em ter-
mos de cooperação nos terrenos de
economia e comércio com a China”,
disse ao Global Times Zhou Zhiwei,
pesquisador de América Latina na
Academia Chinesa de Ciências So-
ciais (ACCS), o think tank oficial do
país, cujas posições refletem o pensa-
mento do Partido Comunista. Segun-
do Zhou, os políticos brasileiros anti-
China precisam encarar a realidade
de que os laços econômicos com o
país asiático são mais importantes do

que os existentes com os EUA.
Quase 30% das exportações brasilei-
ras são destinadas à China, o dobro do
que é vendido ao mercado americano.
O país asiático é o principal cliente do
agronegócio brasileiro, que forma
uma das bases de sustentação do go-
verno Bolsonaro. Mas a pauta de ex-
portações do Brasil para os EUA tem
uma presença maior de produtos ma-
nufaturados e de maior valor agrega-
do, enquanto as vendas para a China
são dominadas por commodities co-
mo soja, minério de ferro e petróleo.
A forte dependência econômica pa-
recia ter suavizado a hostilidade de
Bolsonaro em relação a Pequim e reve-
lado os limites de sua política de ali-
nhamento incondicional com os Esta-
dos Unidos de Trump. Mas os tuítes
de Eduardo evidenciaram o impulso
da primeira-família em ecoar a ideolo-
gia do atual ocupante da Casa Branca.
Outra pessoa próxima de Bolsona-
ro, o jornalista Alexandre Garcia, tem
disseminado teorias conspiratórias

disparatadas, que apresentam o coro-
navírus como uma criação chinesa pa-
ra dominar a economia mundial. Isso
apesar da perspectiva de que o PIB
chinês continuará a sofrer com a retra-
ção da demanda global por seus pro-
dutos, na medida em que a doença se
espalhe por outras regiões.
A China sempre concebeu a relação
com o Brasil como algo que vai além
do comércio e dos investimentos e
abrange a coordenação política em fó-
runs multilaterais e a defesa de posi-
ções comuns de interesse de países
emergentes. Bolsonaro parece acredi-
tar que pode colher os benefícios eco-
nômicos e ignorar o lado político do
relacionamento. A crise atual pode
forçá-lo a mudar de posição.

]
JORNALISTA E PESQUISADORA NÃO-RESI-
DENTE DO INSTITUTO DE POLÍTICA EXTER-
NA DA ESCOLA DE ESTUDOS INTERNACIO-
NAIS AVANÇADOS DA UNIVERSIDADE
JOHNS HOPKINS

Temor de coronavírus aumenta vendas de armas nos EUA


lUm jornalista foi preso na Ve-
nezuela após publicar no Twitter
mensagens que questionavam
os números oficiais sobre o novo
coronavírus no país, denunciou o
Sindicato Nacional de Trabalha-
dores de Imprensa (SNTP), pe-
dindo a imediata libertação de
Darvinson Rojas. O jornalista foi
preso no sábado à noite por agen-
tes das Forças de Ações Espe-

ciais da Polícia Nacional. Os pais
dele também foram presos, mas
foram soltos horas depois. Se-
gundo o sindicato, citando pai de
Rojas, os agentes queriam que
ele dissesse suas fontes das esta-
tísticas de casos da covid-19. O
pai do jornalista diz que ele foi
golpeado na cabeça.
O governo de Nicolás Maduro
informou no sábado que haviam
sido registrados 70 casos do no-
vo coronavírus na Venezuela,
sem mortes. Os tuítes de Rojas
questionavam um balanço oficial
anterior.
Antes de o sindicato perder o

contato com Rojas, o próprio jor-
nalista tinha denunciado nas re-
des sociais a presença de agen-
tes da Polícia Nacional na porta
de sua casa.
“Estamos gravemente preocu-
pados pela denúncia de detenção
do jornalista Darvinson Rojas",
reagiu no Twitter Edison Lanza,
relator especial para a liberdade
de expressão da Comissão Inte-
ramericana de Direitos Huma-
nos. “A liberdade de imprensa
deve ser protegida e os jornalis-
tas que informam sobre a pande-
mia têm direito de proteger suas
fontes”, disse. / AFP

MATIAS DELACROIX/AP

DAN WHITCOMB/REUTERS

Califórnia. Loja de armas trabalhará só com agendamento

Artigo


Americanos correm para


as lojas com medo de


que haja um colapso da


sociedade em razão


da pandemia


Jornalista é preso


por questionar


balanço do governo

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