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O ESTADO DE S. PAULO QUINTA-FEIRA, 26 DE MARÇO DE 2020 Economia B3
ENTREVISTA
Adriana Fernandes / BRASÍLIA
O presidente da Confederação
Nacional da Indústria (CNI),
Robson Andrade, defende a
volta gradual do comércio e
da produção industrial.
lO sr. concorda com o discurso
do presidente Bolsonaro defen-
dendo o fim do confinamento em
massa. O que o sr. defende?
Temos conversado com as li-
deranças empresariais. O que
acontece é que a situação
após o pico da crise pode ser
muito pior do que a gente ima-
gina. Defendo, sim, uma volta
gradual do comércio, das ativi-
dades econômicas, da produ-
ção industrial. Está havendo
muita briga política nessa
questão por poder. As autori-
dades ficando umas contra as
outras com visão política de
médio prazo.
lO que a CNI vai propor?
Eu tenho, com os presidentes
das federações, estudado pro-
postas que levam a um retor-
no gradual da economia com
isolamento de crianças e uma
solução para manter as pes-
soas idosas, com acompanha-
mento. Do contrário, daqui a
três, quatro meses, as pessoas
estarão desempregadas.
lComo a indústria vai funcionar
em meio ao caos e à necessidade
de isolamento?
A retomada da produção vai
ser mais lenta e com mais difi-
culdade. O problema maior é
o desemprego que isso pode
gerar. Essa é a minha grande
preocupação do momento.
lO sr. prevê muita demissão na
indústria?
Estamos recomendando para
evitar demissões. Há alternati-
vas hoje. Colocar a pessoa de
férias, reduzir a carga horária,
usar o banco de horas.
lO que o governo pode fazer pa-
ra ajudar a indústria?
A principal coisa é postergar o
pagamento de impostos. Não
estou falando cancelar. Adiar
a entrega de obrigações aces-
sórias, adiar a entrega do Im-
posto de Renda Pessoa Física,
liberar crédito de médio prazo
para capital de giro.
lComo o sr. vê a reação do go-
verno à crise?
Na saúde, está indo bem. Mas
na economia está moroso.
lComo foi receber o diagnóstico
de que estava com coronavírus?
O susto é grande. Estou em
casa por recomendação médi-
ca. Eu encarei com serenida-
de. O contágio às vezes ocorre
num contato muito simples.
Estou bom agora.
Recomendada pelas autorida-
des de Saúde e adotada ampla-
mente mundo afora, a quarente-
na – marcada pelo fechamento
do comércio e a indicação de
que as pessoas fiquem em suas
casas – virou tema de discussão
entre os empresários brasilei-
ros, mesmo que os cientistas
apontem a estratégia como a de
maior eficácia até agora no com-
bate ao novo coronavírus. Na
terça-feira, em pronunciamen-
to em rádio e televisão, o presi-
dente Jair Bolsonaro voltou a
criticar o que chamou de “confi-
namento em massa” e seus efei-
tos sobre a economia, dando
munição a quem defende um re-
laxamento do confinamento.
Mas, no empresariado, há
opiniões e posturas distintas
sobre o lockdown (fechamen-
to total) da economia. Com ex-
periências prévias de terem
fábricas fechadas na China, o
que evitou impactos maiores
entre os funcionários, Marco-
polo e Randon perceberam
que teriam de estender a medi-
da para o Brasil e se uniram na
decisão de levar adiante o pla-
no de suspensão temporária da
produção. Num primeiro mo-
mento, os funcionários terão
20 dias de férias coletivas e, ca-
so seja necessário, entrarão em
banco de horas. A exemplo do
que aconteceu na China, há
contingência para uma parada
maior (ver mais ao lado).
Outra parte do empresariado
acredita que em mais duas ou
três semanas será possível co-
meçar uma flexibilização em al-
gumas áreas, incluindo o comér-
cio. Mas há também quem ache
que, mesmo neste momento
mais crítico da doença no País,
não poderia haver um fecha-
mento total dos estabelecimen-
tos e que o efeito da falência das
empresas será devastador para
as camadas mais pobres da po-
pulação. Para todos os grupos, a
economia brasileira vai sofrer e
terá dificuldades na retomada.
Segundo os especialistas de
saúde, no momento atual da
pandemia, em que a doença se-
gue em franco crescimento em
muitos locais do planeta, é di-
fícil avaliar quais estratégias po-
deriam funcionar além das já
adotadas por outros países. O
melhor exemplo acaba sendo o
da China, onde tudo começou –
e, até o momento, o único local
que conseguiu conter a trans-
missão local do vírus. Também
é considerada bem-sucedida a
estratégia da Coreia do Sul. Na
primeira, houve fechamento de
tudo, na segunda, testagem em
massa.
Prejuízo. Um estudo encomen-
dado pela Confederação Nacio-
nal de Serviços (CNS) mostra
que os efeitos da pandemia do
coronavírus e de restrições ao
funcionamento de diversas ati-
vidades econômicas podem le-
var a um prejuízo de mais de R$
320 bilhões à economia brasi-
leira e fazer com que 6,5 mi-
lhões de trabalhadores percam
seus empregos.
Mas, segundo o presidente
da CNS, Luigi Nese, os núme-
ros não devem ser usados para
fazer alarde ou para serem con-
trapostos a estratégias para
conter o avanço da doença. “O
intuito do estudo é mostrar o
que uma paralisação de 60 a 90
dias pode causar na economia.
Encomendamos os dados para
prepararmos empregadores,
trabalhadores, governo e Justi-
ça para um debate que nos leve
a uma solução pós-crise. Inde-
pendentemente de um prazo
mais curto ou mais longo no
enfrentamento da covid-19, é
preciso unir esforços para que
a economia se recupere após
esse processo”, afirma.
Médio prazo. Para alguns em-
presários, apesar de o isola-
mento neste momento ser fun-
damental, é preciso começar a
pensar em soluções para o mé-
dio prazo. O presidente da Ra-
cional Engenharia, Newton
Simões, diz que, agora, o País
está vivendo um período de pâ-
nico, o que é compreensível.
“Espero que na próxima fase,
dentro de duas ou três sema-
nas, venhamos a entender que
a parada é insustentável. En-
tão, medidas devem ser toma-
das, com responsabilidade e
empatia, para negociações que
nos permitam voltar a funcio-
nar.”
O dono do grupo Varanda de
restaurantes, Sylvio Lazzarini,
afirma que, por ora, não há co-
mo não haver uma paralisação
para tentar frear o avanço do
vírus. “As medidas foram du-
ras e necessárias”, afirma. Ele
acredita, entretanto, que em
mais 15 dias será possível ini-
ciar medidas de flexibilização
para o funcionamento dos esta-
belecimentos. “Restaurantes,
por exemplo, poderiam funcio-
nar, mas não na sua capacidade
máxima, e com mesas mais dis-
tantes umas das outras.”
O presidente da construtora
Vitacon, Alexandre Frankel,
também defende uma solução
moderada para manter as ativi-
dades. Segundo ele, que ainda
é vice-presidente do Sindicato
da Habitação (Secovi-SP), as
orientações gerais do setor, em
conjunto com o sindicato dos
trabalhadores, foi de não parar
as obras. “Entende-se que tem
um ambiente mais seguro, que
são mais abertos, sem grandes
aglomerações. Estamos seguin-
do essas orientações.”
Há, porém, também quem de-
fenda que a flexibilização deve
ser imediata. O empresário Ju-
nior Durski, dono da rede para-
naense de hamburguerias Ma-
dero e apoiador do presidente
Bolsonaro, é um dos maiores
críticos ao fechamento da eco-
nomia. “Fecham a feira ao ar
livre e as pessoas têm de ir com-
prar no supermercado fecha-
do. Os caminhoneiros preci-
sam transportar remédios e ali-
mentos, mas os restaurante da
Dutra (rodovia) estão todos fe-
chados. Não faz sentido esse
fechamento total.” / RENÉE
PEREIRA, MÔNICA SCARAMUZZO,
EDUARDO RODRIGUES, GIOVANA
GIRARDI E CRISTIANE BARBIERI
Adriana Fernandes / BRASÍLIA
Passada uma semana do
anúncio do pacote de enfren-
tamento da crise da pande-
mia do corno, a equipe econô-
mica ainda se debate como en-
frentar a burocracia orçamen-
tária para efetivar medidas
de socorro aos informais e
empresas, mas já trabalha
com a possibilidade de reto-
mada gradual da quarentena
a partir de 7 abril.
Segundo apurou o Estado, o
prazo se baseia na data inicial
de fim do isolamento imposto
pelo Estado de São Paulo. No
sábado passado, o governador
de São Paulo, João Doria
(PSDB), decretou 15 dias de qua-
rentena, a partir de terça-feira,
mas a duração pode ser prorro-
gada.
A previsão de retomada das
atividades pelos assessores de
Guedes coincide com o período
de pico da transmissão do vírus,
segundo o ministro da Saúde,
Luiz Henrique Mandetta. Na
sexta-feira, ele afirmou que a
transmissão do novo coronaví-
rus continuará a crescer até
maio e junho e só terá uma “que-
da brusca” a partir de setembro.
O polêmico e criticado pro-
nunciamento do presidente
Jair Bolsonaro na noite da últi-
ma terça-feira, em que pediu o
fim do “confinamento em mas-
sa”, tem eco na equipe econômi-
ca. O ministro da Economia,
Paulo Guedes, é um dos inte-
grantes do governo a alertar o
presidente Bolsonaro sobre o
risco da paralisação brusca da
economia por meses seguidos.
A defesa do isolamento só da-
queles do chamado grupo de
risco, como idosos e portado-
res de comorbidades, vai na di-
reção oposta às recomenda-
ções de autoridades sanitá-
rias, como a Organização Mun-
dial da Saúde (OMS), que de-
fendem o isolamento para to-
dos como a única forma de evi-
tar a disseminação da doença
em estado de transmissão sus-
tentada, ou seja, quando não
se sabe a origem da contamina-
ção.
Há impaciência entre inte-
grantes da equipe econômica,
já que os efeitos da crise estão
visíveis para empresas e infor-
mais que sofrem com a falta de
caixa. A avaliação é que esse gru-
po não aguenta duas semanas
sem socorro imediato.
A decretação da situação de
calamidade no País, suspendeu
a necessidade de cumprimento
da meta fiscal, mas não retirou
completamente as amarras das
regras orçamentárias.
Uma das dificuldades, que re-
tardam as medidas, é a restrição
para renúncia fiscal, por exem-
plo, que está na Lei de Diretri-
zes Orçamentárias (LDO)
- Uma das possibilidades
em discussão na equipe econô-
mica é apresentar um projeto
de lei alterando a LDO para afas-
tar as restrições.
Na avaliação de técnicos, será
preciso também um decreto pa-
ra regulamentar o regime jurídi-
co do Estado de calamidade e
dar segurança à execução das
despesas.
‘Defendo a volta gradual de comércio e indústria’
PANDEMIA DO CORONAVÍRUS
DIDA SAMPAIO/ESTADÃO- 09/03/2020
Temor. Guedes e sua equipe temem a parada da economia
Robson Andrade, presidente da Confederação Nacional da Indústria
Governo aceita ampliar benefício a trabalhadores informais. Pág. B4}
lFechado
lPreocupadas com o impacto
que causariam nas cidades em
que atuam, duas das maiores
multinacionais brasileiras, Ran-
don e Marcopolo, ambas com
sede em Caxias do Sul (RS), deci-
diram agir em conjunto nas medi-
das contra o coronavírus.
Assim, lideranças da fabrican-
te de carrocerias de ônibus e da
produtora de autopeças e imple-
mentos rodoviários combinaram
a estratégia para paralisar a pro-
dução, adotada desde segunda-
feira. “Trocamos informações
práticas, para a tomada de deci-
são em conjunto”, diz Rodrigo
Pikussa, diretor da divisão Negó-
cio Ônibus Brasil da Marcopolo.
Só em Caxias do Sul, principal
município na Serra Gaúcha, com
500 mil habitantes, a Marcopolo
tem 8 mil pessoas trabalhando
em duas fábricas. A Randon tem
outros 8.500 funcionários. Com
os empregos indiretos, cada uma
delas movimenta entre 12 mil e
13 mil pessoas todos os dias em
suas operações. Em outras pala-
vras, a parada significou não só
colocar em casa cerca de 5% da
população da cidade, mas tam-
bém provocar efeitos sobre a mo-
vimentação do comércio e do ser-
viço locais e a previsão de arreca-
dação de impostos.
“Juntamos nossas equipes
técnicas e fomos adotando medi-
das, que culminaram com a sus-
pensão da produção”, afirma Da-
niel Ely, diretor de recursos huma-
nos e planejamento da Randon.
A experiência chinesa trouxe
aprendizados também para a re-
tomada. “Passamos a entender
melhor como tornar um ambien-
te mais seguro”, diz Ely. “Enten-
demos que precisaremos ter
mais espaço entre as pessoas na
hora em que a produção voltar e
que provavelmente haverá a ne-
cessidade do uso de máscaras e
do controle de temperatura das
pessoas.” / C.B.
Recomendada por
autoridades de Saúde,
quarentena é criticada
pelo presidente
Jair Bolsonaro
‘Lockdown’ vira discussão
entre os empresários
Para Guedes, quarentena vai até abril
Como Bolsonaro, ministro vê riscos com paralisação brusca da economia, medida adotada por vários governadores para combater vírus
“Estamos frente ao
desconhecido não só para o
Brasil como para o resto do
mundo. As medidas foram
duras e necessárias.”
Sylvio Lazzarini
DONO DO GRUPO VARANDAS
Vivência na China
marcou atuação de
múltis brasileiras
WERTHER SANTANA/ESTADÃO–24/3/2020
Impacto. Estudo da CNS mostra que pandemia pode levar a prejuízo de R$ 320 bi no País
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