O Estado de São Paulo (2020-03-28)

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H10 Especial SÁBADO, 28 DE MARÇO DE 2020 O ESTADO DE S. PAULO


Sérgio Augusto


l]


Igor Macário


Carros e cinema sempre tive-


ram relação próxima. E vários


filmes são um prato cheio para


quem gosta de carro, como o


longa Ford vs. Ferrari, um dos


mais recentes filmes sobre auto-


mobilismo. Estrelado por Matt


Damon e Christian Bale, o filme


estreou em novembro passado e


retrata os pormenores das deci-


sões tomadas pela Ford para


criar o esportivo GT40.


O modelo ganhou as 24 horas


de Le Mans, na França, quatro


vezes seguidas, entre 1966 e



  1. Ele fez a marca ser a monta-


dora americana a ganhar mais


corridas europeias desde a Due-


semberg nos anos 1920. A Ferra-


ri havia ganho Le Mans seguida-


mente entre 1960 e 1965.


O desenvolvimento do carro


teve participação ativa de Henry


Ford II, que queria um carro pa-


ra vencer a Ferrari em Le Mans.


A rixa entre as duas marcas co-


meçou antes, em 1963. Foi quan-
do Enzo Ferrari demonstrou in-

teresse em vender a marca para


a Ford. A gigante americana gas-


tou milhões de dólares em nego-


ciações legais para viabilizar a


compra. Tudo para que a Ferrari


acabasse encerrando conversas


por não querer que a Ford con-


trolasse a divisão de corridas da


italiana.


Já o clássico atemporal Se Meu


Fusca Falasse conta a história de


Herbie, um Fusca 1968 e seu do-


no. Herbie é amoroso, tempera-


mental e dedicado ao dono co-


mo são os mais fiéis cachorros


de estimação. A forma como is-


so vai se revelando ao longo do


filme ajuda a prender a atenção


do espectador e é responsável


por boa parte do entusiasmo des-


pertado pelo longa dos estúdios


de Walt Disney.


O mocinho e galã da trama é


Jim Douglas (Dean Jones), um


piloto de corridas com a carreira


em declínio. Ele precisa achar


um veículo barato e entra em


uma loja de carros, atraído pela


beleza da vendedora, Carole (Mi-


chele Lee). Mas o esportivo que


lhe arranca suspiros está muito


além da quantia que ele pode de-


sembolsar.
A sorte de Jim muda quando

Herbie surge em seu caminho. O


velho Volkswagen havia sido


comprado por Carole a pedido


de um cliente rico, para ser usa-


do por sua criada, mas foi devol-


vido à loja. Quando o dono do


estabelecimento, o esnobe Pe-


ter Thorndyke (David Tomlin-


son), começa a disparar impro-


périos contra o carro e ordena


que o retirem imediatamente da-


li, Jim sai em defesa de Herbie e


acaba ficando com ele.


Esportivos. A franquia Velozes e


Furiosos é outra parada obrigató-


ria para quem gosta de carros e


cinema. O filme retrata um poli-


cial, papel de Paul Walker, que se


envolve com o submundo dos car-


ros tunados, em que o persona-


gem Toretto, de Vin Diesel, é um


dos destaques. Walker morreu


em um acidente de carro durante


as filmagens do episódio 7 e o nú-


mero 10 deve estrear em 2021.


Se o gosto é pelos filmes de ter-


ror e suspense, Christine, o Carro


Assassino é um clássico obrigató-


rio. Christine é um Plymouth


Fury 1958 que envolve seu dono


num relacionamento doentio


com o carro e persegue amigos


que tentam interromper a rela-


ção abusiva com Christine.


ESCREVE AOS SÁBADOS

JornaldoCarro


CARROS


REUTERS

O filme Era uma Vez em...


Hollywood” não é um longa-me-


tragem sobre carros. Nem de


longe, os automóveis ofuscam


os astros e estrelas Brad Pitt,


Leonardo DiCaprio, Al Pacino e


Margot Robbie. Mas eles estão


literalmente por toda a parte, e


enchem a tela. Por isso, são uma


ótima opção para quem curte


graxa. No total, mais de 2 mil


veículos de época foram utiliza-


dos nas filmagens. Afinal, o fil-


me se passa na Los Angeles de


1969, e Tarantino, conhecido


por sua obsessão na criação de


cenários, queria ser fiel à época.


E isso inclui tanto a escolha dos


automóveis utilizados pelos


atores como os carros parados


nas ruas, como “figurantes”.


Coube ao coordenador de car-


ros Steven Butcher o trabalho


pesado de selecionar e alugar os


automóveis clássicos. Butcher,


um veterano do cinema e apaixo-


nado por carros, tem 61 anos.


Ele nasceu e cresceu na região


de Los Angeles, e tinha 11 anos


em 1969, quando se desenrola a


história. Ele garante que se lem-


bra exatamente das ruas da cida-


de naquela época. O objetivo,


portanto, era ser o mais fiel pos-


sível na recriação das cenas.


Uma das funções de Butcher


é sugerir três ou quatro opções


de carros para os protagonis-


tas. Mas, nesse caso, Tarantino


pretendia utilizar um Cadillac


DeVille 1966, dirigido por DiCa-


prio e Brad Pitt. O modelo é exa-


tamente o mesmo empregado


em outro filme do diretor, Cães


de Aluguel, de 1992. Para voltar


às telas quase três décadas de-


pois, o Cadillac foi completa-


mente restaurado. / T.M.


TWENTIETH CENTURY FOX

P


raticamente tudo o que ve-


mos agora é pela TV, pela in-


ternet ou pela janela mesmo.


Imaginem como estaríamos anos


atrás, nos informando só pelo rádio.


O que me leva a supor que a maior


paranoia, depois da contaminação


pela covid-19 e sua possível muta-


ção, é que a internet, de tão sobrecar-


regada, caia e não se reerga.


Por outro lado, saber demais so-


bre o que está acontecendo pode ge-


rar neuroses, angústia e depressão.
E o que é saber demais ou de menos

numa guerra? Revelou-se na quinta-


feira que nove em cada dez casos de


covid-19 não são detectados no Bra-


sil. O que fazer: bloquear o noticiá-


rio (e arriscar perder alguma infor-


mação fundamental, de utilidade


pública e privada) ou promover


uma alienação terapêutica, ventilan-


do a cabeça com abobrinhas espiri-


tuais, livrescas e cinematográficas?


Talvez seja recomendável evitar,


por inúteis ou irrelevantes, as análi-


ses e profecias mais pessimistas, co-


mo as do economista Nouriel Roubi-


ni, apelidado de “Doutor Catástro-


fe”, sobretudo porque ele costuma


acertar todas. Roubini previu a crise


econômica de 2008 com três anos de


antecedência e está mais do que pessi-


mista com os estragos imputáveis à co-


vid-19: recessão persistente, com mais


de US$ 2 trilhões de perdas em crédi-


tos e uma crise bancária sistêmica. Des-


culpem o spoiler.


Outra recomendação: não se deixar


envenenar por teorias conspiratórias e


alopradas, do tipo “o novo coronaví-
rus foi inventado em laboratório pela

China visando a destruir o sistema ca-


pitalista” ou “os EUA espalharam a co-


vid-19 para evitar que a China se torne


a primeira economia mundial”.


É bom lembrar que a pandemia de


1918 originou-se no Kansas, mas virou


Gripe Espanhola porque a Espanha foi


o único país que, diferentemente dos


EUA e do resto da Europa, não censura-


va o noticiário sobre a devastação cau-


sada pela doença: cerca de 500 mi-


lhões de mortos, um quarto da popula-


ção mundial na época.


As pessoas tendem a acreditar naqui-


lo que gostariam que fosse verdade,


que corresponda aos seus desejos con-


fessáveis e inconfessáveis. Uma amiga


ligou para me dar em primeira mão a


notícia de que o presidente fora testa-


do positivo. “Minha empregada ouviu


na Globo News.” A empregada, que,


aliás, deveria ter sido temporariamen-


te dispensada do serviço sem perda sa-
larial, para proteger-se junto aos seus,

afinal reconheceu ter ouvido errado e


guardou para si o “wishful thinking”.


Durante a primeira fase da quarente-


na conheci virtualmente muita gente


bacana empenhada em aliviar as limita-


ções do confinamento. Um personal


de Nova York passou a oferecer ginásti-


ca de grupo aos vizinhos. A italiana An-


tonietta Orsini fez o mesmo da varan-


da de seu apartamento em Roma. Vi


shows vocais, instrumentais e coreo-


gráficos – em janelas e terraços. Recebi


dicas sobre improvisadas livrarias vir-


tuais, com farta oferta de leitura.


Encantei-me particularmente com


o exemplo de um poeta italiano, Fran-


co Arminio, 60 anos, que no segundo


fim de semana de março divulgou o
número do seu celular nas mídias so-

ciais e, identificando-se como “velho


hipocondríaco”, se ofereceu para con-


versar com quem sentisse necessidade


de espantar a solidão da quarentena.


Prontificou-se a ficar de plantão diaria-


mente, das 9h ao meio-dia, até 3 de


abril, fim oficial da quarentena italia-


na, que no entanto pode continuar.


A receptividade foi quase instantâ-


nea. Quando descoberto e entrevista-


do por um correspondente do Washing-


ton Post em Roma, Armínio já recebia


mais de uma centena de chamadas diá-


rias de todas as regiões da Itália e do


exterior. “A maioria se sente solitária,


insegura, atormentada pelo medo”,


disse o poeta, que não esconde de ne-


nhum dos interlocutores que também
está com medo. “Eles precisam mais

de um companheiro de sofrimentos


do que de um terapeuta.”


Foi por um medo crescente da agita-


ção urbana e das consequências físicas


e psíquicas de seus deslocamentos co-


mo palestrante (passava 25 dias por


mês na estrada), que Armínio trocou


Roma pela comuna de Bisaccia, no Ave-


lino, onde aproveita o confinamento


para ler Kafka, namorar a paisagem e


ruminar sobre o tema mais presente


em sua poesia: o medo da morte.


“As ligações me dão energia criati-


va”, diz. Livros, solidão e as ameaçadas


dádivas da natureza são os assuntos


mais abordados nas conversas, inevita-


velmente sombreadas pelo avanço


recrudescente da pandemia.


Nos primeiros dez dias, Armínio


conversou com um ministro, dois


senadores, um músico, um apicul-


tor, um estudante de medicina for-


çado a exercer a profissão antes de


se formar e outro universitário que


sofre por não ter ideia de quando


poderá abraçar os pais novamente.


Conheceu ainda uma viúva que se


vangloriou de ter finalmente apren-


dido “a viver consigo mesma” e ou-


tra, de 76 anos, residente na napo-


leônica ilha de Elba, cuja libido,


adormecida havia alguns anos, fora


“na pior hora” reacendida pelo dis-
tanciamento social obrigatório.

Depois do quarto dia de reclusão,


as pessoas começam a perguntar so-


bre o que lhes pode acontecer. Ra-


ros não esperam pelo pior. Muito


menos Armínio: “A Itália não está


equipada, nem economicamente


nem do ponto de vista emocional.


Mesmo depois de o país diminuir as


severas restrições vigentes, passare-


mos por uma fase cinzenta, em que


o risco ficará reduzido, mas ainda


presente, e as pessoas continuarão


preocupadas, tensas, irmanadas no


espanto e necessitadas de alguém


para conversar. Algumas, tenho cer-


teza, vão me ligar de novo.”


Poderosa. Christine é Plymouth Fury temperamental


Família. ‘Velozes’ mostra mundo do tuning e amizades


Christine, Herbie e até brigas entre


marcas estão em longas-metragens


PROTAGONIZAM


CLÁSSICOS


DO CINEMA


Fidelidade. Carros foram restaurados para aparecer


AS PAIXÕES DE TARANTINO


UNIVERSAL PICTURES

COLUMBIA PICTURES

Levando na conversa


Rivais. Ford
desafiou

Ferrari nos


anos 60 e


acabou


criando um


clássico e


Herbie


ganha


corações


com jeito


lúdico


Um poeta italiano divulgou seu


número de telefone e se dispôs


a falar com quem quisesse ligar


COLUMBIA PICTURES
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