a cheirar tanto a carne velha, a cheirar tanto a pó de arroz, a cheirar tanto a perfume
desses que se encontram nos elevadores vazios, pertencentes a senhoras de idade que
já faleceram de certeza, um cabo com uma uzi a varrer a picada atirando sobre os turras,
atirando sobre nós, um ferido sem uma bota a coxear para o meu pai
- Meu alferes meu alferes
o oficial de operações de gatas na caixa da mercedes escondido nas mãos, o médico
para o meu pai e para mim - Depois da matança do porco vamos ter que interná-la há sempre coisas que se
podem melhorar um bocadinho
o boné das perdizes do meu avô no bengaleiro da casa da aldeia ainda, com uma
peninha na fita, a cadela enterrada sob a nespereira, por que motivo se enterram
sempre os cães sob árvores, o helicanhão surgiu de súbito a rodopiar sobre nós,
queridos pais às vezes brincamos às guerras sem que ninguém se magoe claro uns fazem
de brancos outros de pretos e acaba tudo numa almoçarada de amigos mandaram-nos
para aqui de férias palavra de honra, a minha avó para o meu avô - Acreditas nisto?
e o meu avô calado enquanto os patos passavam a buzinar numa espécie de
triângulo, com uma fêmea à frente, na direção da lagoa, a minha mãe no hospital a
agradecer os pêssegos - Estavam mesmo a apetecer-me palavra
e não lhes tocava, aposto que os oferecia a uma das enfermeiras quando nos íamos
embora - É uma pena ficarem aí a estragarem-se
o remédio para as dores adormecia-a de vez em quando, acordava conosco em volta
da cama - Já chegaram há muito tempo?
o meu pai a roçar-lhe a boca na testa - Viemos mesmo agora
quando não viemos mesmo agora, viemos há um bocado inclinando-nos para o seu
corpo devastado, a minha irmã atrás de nós a olhar pela janela os prédios, as nuvens, o
aeroporto ao longe - O médico garantiu-me que daqui a uma semana tenho alta
duas doentes com ela no quarto do hospital, uma que dormia o tempo inteiro, outra
que nos perguntava de terço nos dedos - Não me acham melhorzinha?
e nem melhorzinha nem piorzinha, ia-se fundindo no colchão, volta e meia pedia a
dentadura na fantasia de se tornar mais saudável, mais nova, com um sorriso
bochechudo, feliz, o que os dentes melhoram a disposição senhores, um tropa
pontapeava o cadáver de um preto de bruços na picada, com botas de lona iguais às
nossas na ponta dos tornozelos magros, Sua Excelência para mim, num gesto
panorâmico que incluía a casa, a horta, a aldeia, o cemitério, a serra, os feridos que iam
colocando nas macas - Garanto-te que não vou ficar aqui dois dias enquanto esperas a bodega do pneu