matava com um sofrimento maior, o meu filho debruçado para o bicho a olhar-me, a
pensar, a olhar-me de novo, se estivéssemos agora no quartel esquecia-se de mim,
passeava nos quimbos com os restantes pretos, não falava comigo e a minha filha a
olhar-me também, na horta se eu em casa, em casa se eu na horta, chamando-a não
respondia, esperava que me levantasse para se sentar à mesa, não bebia café conosco
na cozinha de manhã, vagueava entre o portão e o muro, se a minha mulher
- Não falas a teu pai?
calada, nem ao nascer, que me recorde, chorou, lembro-me de ter dito numa altura
em que me exaltei com ela - Devia ter morrido em África você
e quem te garante que não morri pequena, quem te garante que estou vivo, o meu
pai às vezes - Tens a certeza de ter voltado de lá tu?
de modo que provavelmente eu não aqui, num caixão do cemitério com aquelas
pedras todas em volta, aquelas lápides, aquelas cruzes, aqueles jazigos, eu longe, eu
sozinho, há quantos séculos a minha mulher não - Amor
há quantos séculos a minha mulher silenciosa ou a responder - Estou bem
não me encarando sequer se lhe perguntava como se sentia, um - Estou bem
alheado, o médico para mim - É natural que as pessoas quando se sentem incomodadas se tornem mais difíceis
porque o mal-estar, porque as dores, não é verdade, a vizinhança da morte ou o que
imaginam a morte, pergunto-me aliás como imaginam a morte, no que me diz respeito
uma espécie de vazio mas quem consegue conceber um vazio em que não estejamos,
provavelmente morrer não passa de estarmos quietinhos, de sapatos de verniz, a
escutar os choupos nos seus estalidos de armários, os pássaros felizes com as lagartas
dos finados, a minha mulher que derivado ao avanço da doença começa a escutar o que
não há - Não dás pela chuva?
quando chuva nenhuma na aldeia, só o porco a comer, há momentos em que me
pergunto se não era melhor desistir destas vindas, exceto a minha prima já cá não tenho
ninguém tirando os restos da cadela sob a nespereira e uma voz a explicar-me baixinho - Não fales agora que assustas as perdizes
enquanto o nariz da cadela principiava a tremer, a cauda vibrava, os dentes
apareciam ao léu, o lombo ondulado e com o primeiro sol verde a primeira perdiz, quer
dizer os olhos, o bico, as penas da cauda, a crista para a direita e para a esquerda a
palpar a manhã, a caçadeira erguendo-se devagarinho enquanto o meu pai - Não te mexas
em que nem respirava, de gatas na terra, escutando um soluçozinho, outro
soluçozinho, um frêmito de asas, os arbustos a oscilarem, o meu pai apoiado nos joelhos,
o gatilho a percutir o cartucho, a cadela a galopar erva fora, ele a bater-me nas costas - Acho que acertei