a minha mulher depois de uma hesitação
- Pode ser
logo envergonhada do - Pode ser
apertando a carteira contra o peito como se a carteira a defendesse de mim e na
realidade defendia porque não achava palavras, o que faço senhores, o que digo agora,
eu à procura de frases sem encontrar frases, uma pergunta, um início de conversa, uma
laracha idiota que a fizesse sorrir, se conseguisse fazê-la sorrir ou que me desse uma
resposta tudo mais fácil depois e não descobria peva senhores, tentava acertar o meu
passo pelo seu e era tudo, nunca tive a língua pronta, não divirto ninguém, oiço mais do
que digo, normalmente nem sequer oiço, limito-me a concordar - É exatamente isso
e depois aflito com a resposta, a estranheza - É exatamente o quê?
ao menos apresentar-me, soletrar o meu nome de modo que apresentei-me, soletrei
o meu nome e a minha mulher calada, de queixo contra o pescoço e olhos no chão,
trato-a como, pergunto alguma coisa, fujo daqui a correr e se fugir daqui o que pensará
de mim, a sua voz finalmente - Moro a seguir àquela esquina
ou seja uma mercearia com caixotes cá fora e um prédio antigo, desses que se
percebia logo que sem elevador, lâmpadas fundidas na escada e degraus muito altos
onde se tropeça sempre, parecia-me que a minha mulher com pressa de chegar mas
sem medo que um vizinho nos visse, cumprimentou uma senhora com um carrito de
compras, acenou a um homem de avental à entrada de um talho, deteve-se diante de
uma porta numa atitude casual procurando as chaves na carteira onde a confusão do
costume - É aqui
e eu, parado com ela, lutando para não coçar o queixo em busca de uma tolice que
não vinha, de um sorriso de que não era capaz, de uma proposta - Amanhã à mesma hora?
que por mais que tentasse não conseguia exprimir em voz alta, a minha mulher uma
argola com uma chave comprida e uma chave curta, a escolher a chave comprida, a girá-
la num ruído que parecia quebrar coisas de ferro lá dentro ou remexer pregos soltos
num saco, fiz o gesto de ajudá-la que se interrompeu três centímetros adiante,
encontrei-lhe os olhos um segundo e desapareci logo deles consciente que corava,
consciente que na minha boca um fio detestável de saliva, consciente que os meus
ombros encolhidos e a melena não muito bem composta mas não fui capaz de alisá-la,
a porta girou num princípio de cólica e ela sobre o degrau, mais alta do que eu que
vergonha, ela a olhar para baixo - Amanhã à mesma hora?
sem me encarar de frente, num relance às próprias unhas quase tão curtas quanto as
minhas, não roídas, direitas e sem pintura nenhuma, apercebi-me também que sapatos
de atacadores, uma saia de xadrez, um casaco de veludo, um sinal no pescoço, consegui
um