e os militares calados a olearem a gê três, dos canhangulos que os milícias das
sanzalas disparavam, cheios de pregos tortos, dobradiças, seixinhos, exprimindo-se
numa língua de que esquecera quase tudo e no entanto, se tomasse atenção
- Euá
me parecia entender, o inspetor da polícia política para o meu pai - Não me diga depois que não o avisei senhor alferes
e entender não só a língua, os hábitos, os modos, o sabor da comida, apesar da morte
amanhã o porco ainda a comer, oxalá tenha tempo de comer as pedras todas da minha
mãe uma a uma de forma que o médico para a gente, sem nenhum círculo vermelho à
roda de nenhuma mancha - Curou-se
não contente, perplexo, a olhar o biombo atrás do qual ninguém, o meu pai na casa
da aldeia já não magro, gordo, lento, já não novo - Ai de vocês
velho, um par de óculos na testa e uma das pernas, com a qual se zangava batendo-
lhe, mais difícil que a outra - O que Angola me deu senhores
meio arrastada, torta, chegado da visita à pocilga a estranhar-me, com um eco de
batuque em qualquer parte sua, come todas as pedras bicho, por favor come todas as
pedras, o meu pai - Em que estás a pensar?
e estava a pensar, mas não lhe conto, por que razão se preocupava comigo cobrindo-
me com o seu corpo logo à primeira calache, a vestir-me todo de si, estava a pensar,
aiué, numa mulher de barriga para baixo, sem orelhas nem mãos, entre mulheres e
muanas sem orelhas nem mãos e galinhas e cães, estava a pensar em homens de olhos
abertos ao acaso no chão, em sobras de pau a pique, na cadeira dos mortos tombada,
numa rapariga tentando segurar uma cabra que lhe não fugia, a soluçar, no relento da
liamba misturado com o relento da pólvora, no cheiro a sangue do sangue, nos primeiros
mabecos espiando-nos com cautela de nariz entre as folhas, estava a pensar no homem
caído mais adiante que morava conosco e não me dava atenção, estava a pensar na
cadeira da sanzala vazia em torno da qual o morto, sozinho, continuava a dançar, estava
a pensar no meu pai - Ai de vocês se lhe tocam
de olhos minúsculos, ferozes, e pano de tenda, e rações de combate de quando saía
do arame com os soldados, não adiante, a meio da fila com o guia pintado de branco
três lugares à frente e o segundo guia mais atrás no caso de abaterem o primeiro, estava
a pensar que em certas alturas, aqui na aldeia, o meu pai com receio por ele e por mim
enquanto os tambores do óbito continuavam a bater - O que vai suceder-nos?
sem as palavras claro mas eu ouvia-o na mesma consoante me oiço a mim - O que vai suceder-nos?
enquanto penduravam o bicho e escolhiam as facas, enquanto o olhávamos a pedir
não pares de comer, o meu pai a observar o porco como se o porco fosse ele, já gordo,
velho, lento, indefeso, sem escutar