a tirar com a unha uma crosta do casaco, para além de mais idosa que eu a mulher
dos anéis roupa mais barata, um alto arroxeado num dos tornozelos que preferi não ver,
se observarmos as pessoas com atenção o que não faltam são defeitos, o nariz, o cabelo,
etc, para mim quase não olho salvo quando faço a barba, a minha nora sempre pronta,
a espertalhona, mais viva que o raio que a parta, a descobrir desgraças, não sob a forma
de denúncias, sob a forma de perguntas inocentes
- Isso aí no queixo não será uma borbulha?
e o indicador a experimentá-la cauteloso porque - Se calhar pega-se
a escada logo à direita e ora aí está qualquer coisa que não temos no arame farpado,
degraus, tudo ao nível da areia, até a isso vou ter que me habituar de novo no caso de
escapar vivo daqui, degraus, corrimãos, capachos, esses luxos estranhos dos ricos, a dos
anéis, mais habituada à fortuna do que eu, a trepar a escada, à minha frente, sem um
soslaio aos velhos, de calcanhares a estalarem, e eu atrás com a minha mulher na ideia,
não propriamente arrependido, perplexo, conformado a que não camisa de rendas, não - Amor
e por conseguinte além de perplexo curioso também, haverá braços na nuca, joelhos
no meu peito, uma boca torta de extração de molar sem anestesia e um sopro sobre o
meu ombro - Ai mãe
espero que suficientemente baixinho para que os meus pais não notassem, mesmo
antes da minha irmã só lhes ouvi silêncio e ora aí está a razão, provavelmente, de não
falar quase nunca, acocorada a um canto, séria, ausente, quando se demorava um
bocadinho conosco, lá dava, quando muito, pela tosse do meu pai no corredor ou um
cano na cozinha, mesmo atazanado pela vértebra que mais tarde se transferiu para mim,
a minha mulher sem aborrecer fosse quem fosse, às vezes tinha a certeza que as
palavras eram uma forma de expressar ainda mais o silêncio, não de anulá-lo, no
patamar do primeiro piso uma Vênus de Milo de loiça e um vasculho, no segundo o meu
quarto a terceira porta à esquerda, cada uma delas um número numa medalhinha de
metal com buracos para dois parafusos mas sempre só com um de modo que a
medalhinha baloiçava sempre que abriam ou fechavam a porta e aí estava a cama de
uma pessoa só, um candeeiro de abajur plissado, outrora branco e agora cinzento, uma
cadeira pouco segura, a cortina manchada por mãos sucessivas de dúzias de mulheres
com anéis e o armário com a minha mala em cima, tudo aquilo feito de propósito para
desgostar o mundo - Que miséria
enquanto a gente se movia com cuidado na esperança de não roçar em nada, um
cabelo antigo no travesseiro, o ar condicionado que não funcionava, o bafo de Angola
na janela que não fechava por completo, a mulher dos anéis para mim, desiludida - Pensava que os oficiais vivessem de uma maneira diferente dos soldados
e pelo intervalo da janela a música dos bares e o hálito quente da rua, pareceu-me
que os eixos de uma carroça empenada numa das ladeiras da aldeia, a fala dos ciprestes
do cemitério antes de eu adormecer, pronunciando um a um os nomes dos mortos, o
chiar da alavanca da bomba da água dos meus pais, uma espécie de vontade de chorar