apesar de tão fraca, tão pálida e a boca pendurada do anzol do nariz, morre dentro
de um ou dois meses porque o peso das pedras há de voltar, que remédio, empurrando-
a para baixo, a boca dela
- Amor
para ninguém porque ninguém a escuta, escuta-se a si mesma - Amor
sem conseguir imaginar que possa ser comigo porque eu num alguidar da adega, sem
membros, sem entranhas, sem cachaço e mesmo assim, olarila, é possível que se me
dirija - Amor
vestida de uma camisa de renda com lacinhos
(esquecem-me sempre os lacinhos)
a dizer - Amor
a dizer - Amor
a dizer - Amor
mas para quem, senhores, se apenas enfermeiras, médicos, visitas, outros doentes
noutras camas e ela, palavra de honra - Amor
enquanto nós voltamos para casa, aldeia fora, por ruelas que já ninguém habita,
construçõezitas onde já ninguém mora, velhos de boné no largo que já não dão por nós,
um ou outro rafeiro esfomeado que se desvia com medo, meia dúzia de pombos de
cauda a arrastar contra as pedras, o meu pai para mim - Para o ano quando fizeres dez anos hei de ensinar-te a caçar perdizes
já não com a cadela do meu avô, claro, um bicho mais novo, mais atento, mais rápido,
nós dois num talude, ainda noite, à espera da manhã, encostados um ao outro derivado
ao frio, apesar dos barretes, das camisolas, das samarras, de um cobertor nos joelhos,
os dois a assistirmos à mudança da cor do céu, já não negro, sem lua, sem estrelas, uma
primeira faixa pálida no horizonte, uma segunda faixa cor-de-rosa , uma translucidez
quase lilás no ar, o primeiro sol ainda sem sol, uma claridadezinha indefinível que
aumenta devagar, se dilata, cresce, se espessa, nos deixa por fim perceber os troncos,
as copas, o rés da terra, as plantas, as folhas molhadas que vão secando, secando, as
primeiras agitações nos arbustos e o meu pai - Amor
perdão, o meu pai não - Amor
o meu pai - Pega na arma que vão chegar agora
ambos a olharmos um montezinho à esquerda, uns caules, uma figueira anã, a
ouvirmos ruídos minúsculos crescendo a pouco e pouco e a cadela mais frenética, mais
ansiosa, de orelhas para diante e as patas em mola enquanto o meu pai - Toma atenção ganapo