- Descobriram alguma coisa que os preocupe?
e nada de aborrecido senhora, uns exames apenas para ficarmos tranquilos, uma
radiografia, análises, os gabinetes dos médicos deviam ter brinquedos, balões e
rebuçados em vez de marquesas, secretária e instrumentos misteriosos, solenes,
dispostos numa espécie de tranquilidade ameaçadora, a adega da casa da aldeia um
postigo lá em cima para o quintal que prolongava o dia, lembro-me do meu avô num
banquito a assistir à chegada da noite, uma ocasião ao chamá-lo para o jantar continuou
sentado, de boina para a nuca, quando a minha avó lhe tocou no ombro inclinou-se para
a esquerda, caiu, e depois o que recordo sobretudo são as botas enormes, sem
atacadores, e o relógio de cobre de que se abria uma tampinha para confirmar as horas
que são sempre as mesmas na aldeia, para quê perguntar, Sua Excelência para o meu
irmão, a puxar-lhe o braço para o chamar de lado - Vamo-nos embora não me apetece estar aqui amanhã a assistir a um bicho a morrer
e o meu irmão a olhá-la, a olhar as facas, a olhá-la de novo, no lado da pista de aviação
dois canhões sem recuo a dispararem sobre nós, não acertaram na gente mas
desfizeram uma parte do arame farpado e do armazém dos sacos, depois os canhões
calaram-se, depois o pelotão que os apanhou por trás obrigou-os a fugir mata fora, a
chuva que começou a cair, isto contava o meu pai, apagou os trilhos e perdemo-los, o
médico para a minha mãe - Um quisto insignificante no rim faz-se uma operaçãozita que não é complicada e
pronto
com a minha mãe sem mudar de expressão como quando o meu pai - Dá-me licença que a acompanhe?
e acompanhou-a durante mais de trinta anos, antes da guerra normal, depois da
guerra sempre atento ao barulho das portas, ao barulho das janelas, a um escape na
rua, pedia à minha mãe para se sentar ao lado dele no sofá, se chegava a casa e não
estávamos fechava-se no quarto, aflito com os ruídos no andar de cima, com os ruídos
no andar de baixo, com as vozes e os passos nas escadas, apesar de ter as chaves gritava-
lhe sempre, no vestíbulo - Sou eu pai
sentindo-o a espreitar-me, desconfiado, por uma fechadura qualquer, uma noite, à
mesa, voltou-se para o meu irmão e disse-lhe - Desculpa
sem acrescentar mais nada, apenas - Desculpa
e um gesto que desfazia o - Desculpa
a seguir, sempre que arranjava dinheiro injetava-me, a minha mãe alarmada - Tens os olhos tão brilhantes agora
e não são apenas os olhos senhora, sinto-me quase feliz, tudo fácil de repente, tudo
certo, tudo agradável, o que me vendia visitava-me às vezes - Acho que precisas de um amigo
comia-me as coisas da despensa, fumava os meus cigarros, deitava-se ao meu lado
na cama, magoava-me com a pressa dos dedos e deixava-me no dia seguinte um
carla scalaejcves
(Carla ScalaEjcveS)
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