e o capitão calado, os alferes calados, os furriéis calados e os pretos calados, os
nossos caixões vazios à espera na arrecadação, o meu o terceiro à esquerda a contar de
cima, levantei-lhe a tampa e julguei ver o meu pai lá dentro de pulsos confundidos sobre
a barriga e algemados num terço como os meus avós antes dele, como o senhor Barros
que morava sozinho, se atirou ao poço e na véspera de se atirar me alisou a bochecha
- És tu que me fazes velho a cresceres tão depressa menino
e nos restantes caixões os meus camaradas que ali estavam comigo olhando para si
mesmos sem uma palavra, a máquina de costura do soba a trabalhar desconjuntada,
milhafres imóveis no alto avaliando pintos e nenhum dos meus filhos na estrada,
observando melhor talvez uma asa de milhafre tremesse, se calhar esqueceram-se ou
enterraram-me em Angola sem que eu desse fé e nem as salvas ouvi antes da urna
descer, tão distraído sempre, o psicólogo do hospital para mim - Em que está a pensar?
e o círculo de cadeiras a fitar-me à espera, um gato no telhado da casa a fitar-me
infantilmente com a pata direita suspensa, o vagomestre trancou a arrecadação - Não quero ver-vos ali
trinta e nove caixões que exagero, não vamos morrer tantos claro e o alferes
paraquedista pequeno, seco, nunca mais esqueci a cara dele, junto à pontezinha mal
amanhada do rio Cambo de perna estendida para diante e o corpo todo para trás a
palpar antipessoais com o vértice cauteloso da bota, o alferes paraquedista sentado no
lugar do psicólogo - Lembras-te do rio Cambo?
e descansa que me lembro amigo, o crocodilo ao sol na margem que mal nos viu
escorregou sem pressa para a água e se transformou num olho desprovido de corpo à
deriva, meia dúzia de pássaros brancos, o seu pelotão, o meu pelotão, as vossas fardas
melhores, as vossas rações de combate melhores, as vossas armas melhores, mais
pequenas, mais leves, mais precisas, a disciplina mais dura, as ordens ladradas, vi-o
perder a perna numa nuvem de areia, vi-o no capim tão pálido enquanto lhe
embrulhavam o coto em compressas, o enfermeiro puxava atarantado os garrotes da
mochila ao mesmo tempo que o rádio - Manda mosca manda mosca
chamava o helicóptero aos gritos, o alferes paraquedista ordenando - Não quero choradeiras
pelas mortalhas de cigarro quase transparentes dos lábios sem um gemido, uma
queixa, nem - Quando o meu avô souber mata-se
nem - Avé Maria cheia de Graça
apenas - Não quero choradeiras
de modo que o pessoal a fazer proteção ao heli, de modo que um cabo a apontar a
arma a um dos guias - Vais pagar por ele tu
de modo que o psicólogo do hospital para mim